A Percepção Estética em Lévi-Strauss

                                                
«… a beleza não é uma qualidade inerente às próprias coisas: existe apenas na mente que a contempla, e cada mente capta uma beleza diferente.»
David Hume 


O percurso da obra de Lévi-Strauss, os objectos abarcados pela antropologia estrutural podem ser vistos como uma progressiva adequação ao edifício teórico, em que a vastidão dos temas tratados, a quantidade dos materiais empíricos analisados ao longo da obra de Lévi-Strauss são o resultado da premissas da linguística estrutural. Instaurador de discursividades, enfatiza as suas reflexões e análises relativas a diversas artes, nomeadamente à música e às artes plásticas.
A abordagem da arte encontra-se vinculada à elaboração da sua obra, fundindo-se no corpo da antropologia lévi-straussiana. O seu interesse pela arte permite pensar a passagem da natureza à cultura e reciprocamente, num permanente vaivém. Tendo como material o inconsciente, - que no estruturalismo é um objecto de arte - labora contra o «simbólico», mas chegado à estrutura do inconsciente do espírito não consegue senão falar metaforicamente.

Os temas tratados por Lévi-Strauss revelam um movimento num percurso avesso à linearidade, ou seja, este autor procura apreender a temporalidade aliando o sensível e o inteligível no intuito de construir um saber multifacetado e complexo. Vários são os ingredientes geradores de uma antropologia que estabelece e procura manter o diálogo explícito com a arte (música, literatura, poesia, pintura, escultura) e que o levam a interrogar-se sobre a origem da emoção estética – é seu desejo dizer cientificamente o que é captado esteticamente. De acordo com Lévi-Strauss, a antropologia preocupa-se com a «natureza inconsciente dos fenómenos naturais». Ou seja, o seu objectivo é decifrar os princípios através dos quais o cérebro humano funciona.

Os vários fragmentos da abordagem estrutural procuram, classificar os elementos mais pequenos e ampliar consideravelmente o inventário dos considerados mais pertinentes, articulando uma lista arbitrária de várias descrições estruturais. Lévi-Strauss não se confronta de uma só vez com as «soluções» encontradas, a análise admite várias mas elimina algumas à medida que progride, propendo-se atingir um «todo» que precede as «partes» o que nos leva a dizer que o estruturalismo é um modo de percepção estética do inconsciente. Como um profeta, Lévi-Strauss apresenta a última mensagem, seguro do valor das suas análises e das suas matrizes. Grande parte das opiniões romanescas de Lévi-Strauss são bastante perspicazes, ocupando-se mais com a padronização de ideais do espirito, concentrando os seus interesses nos padrões de ideias revelados através de simbolismos e de usos linguísticos. O idealismo racional de Lévi-Strauss oferece um puzzle imaginoso cuidadosamente persuasivo, onde é exercitado a sua imaginação artística.

I
Através da linguagem e das instituições humanas, encontramos no quadro da obra de Lévi-Strauss a presença misteriosa redutível a uma lógica mental inconsciente. Vimos que o objecto da linguística - a língua -, revelou-se através de Saussure ser uma realidade estruturada, um arranjo sistemático das partes. "Era à língua, e não a fala, que Saussure atribuía como objecto à linguagem (…) a linguística saussuriana relegou tudo aquilo que podia constituir-se como problema, em particular o problema do sentido, na medida em que este está fortemente ligado à enunciação, à situação do discurso” (Yaguello 1977: 121). A concepção lévi-straussiana quando se refere explicitamente à linguística, é porque descobre nela a possibilidade de um método objectivo para pôr em evidência a lógica de sistemas de transformação cujas imposições e graus de liberdade remetem, na opinião de Lévi-Strauss, para a própria organização cerebral.
O aparecimento simultâneo da linguagem e de uma exigência de sentido (sendo necessário que o mundo significasse, antes mesmo de ser possível saber o que significava) como única exigência capaz de dar origem ao pensamento simbólico, traduzindo-se num esforço, no intuito de compreender ao mesmo tempo a universalidade do simbólico e a singularidade das significações. Se o espírito é uma coisa entre as coisas, cuja estrutura é comum à das coisas, a actividade do espírito é comum às coisas. Isto remete-nos para o modo como o estruturalismo vai da linguagem ao seu inconsciente. Tendo como material o inconsciente a linguagem pode servir de modelo à arte. Na medida em que aquilo que se quer dizer não é dito de imediato, é necessário encontrar uma linguagem que a diga, que fale dessa coisa que está por significar. O inconsciente, no estruturalismo, é um objecto de arte. Dito de outro modo, o conhecimento do inconsciente no estruturalismo concede a inteligibilidade sob a forma de emoção estética. Se o homem experimenta o sentimento do prazer estético perante uma obra de arte é porque reconhece nela a estrutura do seu espírito, ou seja, inconscientemente o espírito reconhece-se sendo por essa razão que a percepção estética é uma percepção inteligível.
O encontro do espírito com a obra de arte significa para Lévi-Strauss o encontro da natureza com a cultura. Lévi-Strauss aspira a ter um conhecimento «artístico» do inconsciente, aspira ter o conhecimento do «todo» antes das «partes». O inconsciente de que Lévi-Strauss fala é uma metáfora, ligando prazer estético à relação estrutura/acontecimento, como liga também a actividade artística. Diz Lévi-Strauss que (1989b: 42) "o facto [o acontecimento] não é mais do que um modo de contingência, cuja integração (percebida como necessária) a uma estrutura instaura a emoção estética, qualquer que seja o tipo de arte em questão". A obra de arte é criada pelo artista, mas este facto não tem qualquer importância para Lévi-Strauss. Assim é posto de lado a actividade artística, resta apenas o humanismo de esteta.
O inconsciente que o estruturalismo desejaria atingir responde às características que atribui à arte, todavia, ao passo que o artista faz uma estrutura que se impõe com acontecimentos, o estruturalismo rejeita os acontecimentos para se aproximar da estrutura do inconsciente. A actividade do estruturalista pode ser considerada como a de quem quer converter tudo em «arte», dado que tenta progressivamente tornar inteligível, sob a forma de «modelo reduzido» o equilíbrio estrutura/facto ou estrutura/acontecimento.
É sobre esta relação estrutura/facto que vão encarar-se, segundo Lévi-Strauss, a arte, o rito e o pensamento mítico, sendo esta a razão pela qual " (…) os mitos nos aparecem simultaneamente como sistemas de relações abstractas e como objectos de contemplação estética; com efeito, o acto criador que engendra o mito é inverso e simétrico àquele que se encontra na origem da obra de arte (…) a criação estética confere um carácter de totalidade, por colocar em evidência uma estrutura comum. O mito percorre o mesmo caminho mas num outro sentido: ele usa uma estrutura para produzir um objecto absoluto que ofereça o aspecto de um conjunto de factos (pois que todo mito conta uma história). A arte precede, então, a partir de um conjunto (objecto + facto) e vai à descoberta da sua estrutura; o mito parte de uma estrutura por meio da qual empreende a construção de um conjunto (objecto + facto) " (Ibid.: 41).

 II
O estruturalismo labora contra o «simbólico» condição sine qua non, mas chegado à estrutura inconsciente do espírito pede que toda a obra seja suprimida e que nos devotemos à estética silenciosa - a música.
Na introdução de Le Cru et le Cuit, Lévi-Strauss procede a uma analogia entre o mito e a música, ou seja, debruça-se sobre o desejado futuro do estruturalismo. O programa do estruturalismo encontra no mito um conjunto de razões que dá a oportunidade de "elaborar um inventário de recintos mentais" (Lévi-Strauss 1989a: 17). Para o autor, a mitologia e a música são ambas "máquinas de suprimir o tempo": " (…) tout se passe comme si la musique et la mytologie n'avaiennt besoin du temps que pour lui infliger um dámenti. L'une et l'autre sont, en effet, des machines à suprimer le temps" (Lévi-Strauss 1964: 24).  Por outras palavras, tal como a música opera no tempo fisiológico do auditor, transmutando-o numa totalidade sincrónica fechada sobre si própria, o mito suprime a oposição entre o tempo passado e histórico e uma estrutura permanente. Ao mesmo tempo que se inscreve na história concreta e ultrapassa pela sua permanência, o mito está ligado tanto à palavra falada como à língua, mas consegue elevar-se a um nível que não é de uma nem de outra. Para justificar de forma mais precisa a analogia entre mito e música diz-nos Lévi-Strauss: (1964: 24) "Comme l'oveuvre musicale le mythe opère à partir d'une double continu: l'un externe, don’t la matière est constituée (…) dans l'autre cas, par la série également illimitée des sons physiquement réalisables, òu chaque système musical prélève sa gamme. Le second continu est d'ordre interne. Il a son siègne dans le temps psychophysiology de l'auditeur, don’t les facteurs sont très complexes: périodicité des ondes cérébrales et des rythmes organiques, capacité de la mémoire et puissance d'attention."
No entanto, se são os aspectos neuropsiquicos que a mitologia põe em causa, a música possui ainda a acção mais marcada paralelamente ao tempo fisiológico e mesmo estrutural daquele que a ouve. Esta acção dupla e contínua da mitologia e da música levam Lévi-Strauss a conceber que: (1964: 25) "Le mythe et l'oeuvre misicale apparaissent ainsi comme les chefs d'orchestre don’t les auditeurs sont les silencieux exécutants." Neste autor "a arte se insere a meio caminho entre o conhecimento científico e o pensamento mítico ou mágico (…)" (Lévi-Strauss 1989b: 38) em que o artista participa ao mesmo tempo dos dois, do sábio e do bricoloeur. "Se, no plano especulativo, o pensamento mítico tem analogia com o bricolage no plano teórico e se a criação artística se coloca a uma distância igual entre essas duas formas de actividade e a ciência, o jogo e o rito mantêm entre si relações do mesmo, tipo" (Ibid.: 46). Ou seja, para Lévi-Strauss, a arte serve-se da metáfora e aparenta-se ao pensamento selvagem.

 III
Segundo Lévi-Strauss é no pensamento mítico que encontramos o espírito perfeitamente "abandonado à sua espontaneidade criadora" funcionando como um veículo complexo e riquíssimo de codificação do real. Reconsiderando a opinião corrente de que para os «primitivos» um conhecimento cientifico seria inacessível, devido à falta de pensamento abstracto e de habilidade, ou de "ver o selvagem como exclusivamente governado por suas necessidades orgânicas ou económicas, não percebemos que ele nos dirige a mesma censura (…)" (Lévi-Strauss 1989b: 17). Através de exemplos diversos, o autor mostra que objectos da natureza muito diferentes e agrupados pelo pensamento selvagem, de um ponto de vista estético são de facto muito próximos do ponto de vista químico. Entre magia e ciência, a primeira diferença seria pois "que uma postula um determinismo global e integral enquanto a outra opera distinguindo níveis dos quais apenas alguns admitem formas de determinismo (…)" (Ibid.: 26). Avança Lévi-Strauss que "existem dois modos diferentes de pensamento cientifico, um e outro funções, não certamente estádios desiguais do desenvolvimento do espírito humano, mais dois níveis estratégicos em que a natureza se deixa abordar pelo conhecimento cientifico (…) um muito próximo de intuição sensível e outro mais distanciado" (Ibid.: 30). Está patente o esforços pelos quais Lévi-Strauss tem ocasião para precisar que o pensamento selvagem não é um balbuciar da ciência futura. “ (…) em lugar de opor magia a ciência, seria melhor colocá-las em paralelo, como dois modos de conhecimento desiguais (…)" (Ibid.: 28).
Para melhor fazer entender em que consiste o carácter científico do pensamento selvagem, o autor lança-se numa longa exploração do modo de proceder do bricoleur em que este surge como uma espécie de engenhocas, ou seja, enquanto o engenheiro trabalha com peças concebidas para o uso a que se destinam, o bricoleur serve-se de peças que já fizeram parte de conjuntos diversos. Em vez de usar uma peça concebida para um uso único, o que o bricoleur faz é ir ao "amontoado" de peças que trazem já marca de vastos usos possíveis.
De novo o domínio da linguagem fundamenta a comparação. Lévi-Strauss aplica o paralelismo enunciado dizendo que os elementos do pensamento mítico se situam sempre entre percepções e conceitos ou entre imagem e conceito. Isto leva-o a fazer notar o característica do signo no pensamento selvagem, característica esta que é a já definida por Ferdinand Saussure no Curso de Linguística Geral[1]. A grande questão é que as imagens servem para significarem - estamos a falar de signos, estamos a falar fielmente de Saussure.
O engenheiro age com a ajuda de conceitos, o bricoleur com a ajuda de signos. No pensamento selvagem, o conjunto é fechado e o meio de pensar é o signo. No pensamento mítico como na bricolage, " (…) são sempre os antigos fins os chamados a desempenhar o papel de meios: os significados se transformam em significantes, e vice-versa" (Ibid.: 36). Ou seja, Lévi-Strauss assimila o pensamento selvagem ao pensamento mítico e por sua vez o pensamento mítico ao bricolage.

Lévi-Strauss sublinha em O Pensamento Selvagem que, ao contrário do que haviam pensado alguns investigadores, o que vai caracterizar o pensamento selvagem, é nada menos do que o seu apetite de lógica, o seu desejo de tudo explicar, de tudo integrar. Contudo os primitivos não tentam para tornar o seu mundo inteligível, ordenar os conceitos e ideias abstractas. Vão, no entanto ordenar os elementos que o mundo sensível lhes oferece desde plantas, animais, ruídos, cores, minerais, etc.. Para deles fazerem um conjunto que tenha significado, uma «história», um mito.
É certo que o mito diz, sempre, respeito a acontecimentos passados, mas, em qualquer momento do tempo, estes mitos foram uma estrutura permanente, isto é, cristalizaram-se. Os mitos podem ser uma forma de informação da realidade da sociedade onde existiram, mas podem também, pelo contrário, inverter essa realidade, reinventando-a. No entanto a mitologia, contrariamente à História, apresenta-se sob a forma de sistema fechado, estático, os mitos são-nos dados como algo pertencente à ordem do abstracto e não do vivido. São acontecimentos passados, mas dotados de eficácia permanente, eles têm uma dupla função – histórica e não histórica. Assim, eles podem pertencer ao domínio da palavra e da língua, mas o mito, é mais do que a linguagem, é uma linguagem que tem lugar a um nível mais elevado, porque está para além dela, porque " (…) o mito faz parte integrante da língua; é pela palavra que ele se nos dá a conhecer, ele provém do discurso (…) [isto porque] Qualquer que seja nossa ignorância da língua e da cultura da população onde foi colhido, um mito é percebido como mito por qualquer leitor, no mundo inteiro" (Lévi-Strauss 1989a: 242).
Os mitos podem dizer a mesma coisa por referência a códigos diferentes, ou seja, a níveis diferentes da realidade concreta que ele usa como vocabulário. Em o Mito e Significado, Lévi-Strauss escreve que é impossível compreender um mito como uma sequência contínua, uma vez que "temos de [o] apreender como uma totalidade e descobrir que o significado básico do mito não está ligado à sequência de acontecimentos, mas antes, (…) a grupos de acontecimentos (…) temos de ler o mito mais ou menos como lemos uma partitura musical (…) Temos de perceber que cada página é uma totalidade (…) só adquire significado se se considerar que faz parte e é uma parcela do que se encontra inscrito na segunda, na terceira (…) e por aí adiante (…)" (Lévi-Strauss 1989c: 67-68).
À semelhança do que acontece no totemismo, também nos mitos podemos falar de um mesmo assunto por referência a um vocabulário diferente, mas devemos ter sempre em atenção que o mito se apresenta sempre como um conjunto de estruturas bipolares, só assim poderemos proceder à sua leitura. Deve-se ter em conta que não são só as semelhanças que contam, pois este não é o único tipo de ligação existente entre os mitos. Por exemplo, dois mitos podem estar ligados entre si pelo facto de diferirem sistematicamente um do outro.
O que Lévi-Strauss vai propor, não é a procura da versão autêntica ou primitiva do mito, tal como era objectivo dos mitólogos e também dos linguistas, até se ter entendido " (…) que a função significativa da língua não está directamente ligada aos próprios sons, mas à maneira pela qual os sons se encontram combinados entre si" (Lévi-Strauss 1989a: 240), mas pelo contrário ele pretende definir cada mito pelo conjunto de todas as suas versões. Logo, o método estrutural veio desembaraçar a língua e também a mitologia de um obstáculo ao progresso destas, que era a procura das origens.
Segundo Lévi-Strauss, o estruturalismo em termos mitológicos precisa de conhecer o mundo e falar sobre esse mundo concreto, para em seguida, através da análise estrutural, atingir o abstracto. Mas ao contrário do formalismo o estruturalismo pode regressar ao concreto, devendo-se esta sua característica ao facto de o estruturalismo considerar a complementaridade entre o significado e o significante.  
   
IV
Lévi-Strauss atribui ao carácter simbólico, há «representação» das obras humanas, a presença do mana[2], fazendo notar na sua Introdução à obra de Marcel Mauss, "que as noções de tipo mana, por mais diversas que possam ser, encarando-as na sua função mais geral (…) representam precisamente esse significante flutuante, que é a servidão de qualquer pensamento acabado (mas também a garantia de toda a arte, toda a poesia, toda a invenção mítica e estética), se bem que o conhecimento cientifico seja capaz, se não de o estancar, pelo menos de o disciplinar paralelamente" (Mauss 1988: 43). Esta passagem observa que o objecto de arte, o mito, a poesia, toda a fonte de prazer estético, contém uma intervenção desse «significante flutuante». Nesse sentido, o inconsciente não será objecto de arte, uma vez que ao seu nível não subsiste qualquer mana.
Para Lévi-Strauss, enquanto o mana estiver presente, ou por outras palavras a arte de cada coisa, fonte inesgotável de actividade, encontramo-nos perante equilíbrios instáveis. Ou seja, enquanto o inconsciente não for totalmente conhecido nas suas relações com o «todo», enquanto a entropia não tiver triunfado, consagrando a morte de todo o mana, haverá sempre surpresa do simbólico. A permanência do mana é condição sine qua non no discurso estruturalista, sendo simultaneamente o seu fracasso. Uma ciência metonímia do inconsciente? Isto parece-nos impossível. O simbólico continuará a impor a sua descontinuidade. Não há actividade contínua da consciência na estrutura inconsciente do espírito. Todavia, há medida que isto vai sendo admitido, o estruturalismo retoma as suas dimensões como lógica da percepção estética.

O estruturalismo torna-se critica de arte após uma reflexão sobre a relação entre dois níveis de articulação, um natural, outro cultural. A crítica de Lévi-Strauss incide sobre a ausência de inteligibilidade nas artes, emitindo as suas opiniões, exprimindo conjecturas sobre as diversas artes, vai acentuando as suas posições. Já no capítulo XIII da Antropologia Estrutural, quando trata da split representation em arte as implicações de que fala do «modelo reduzido» e das dimensões inteligíveis já estavam presentes. Ou seja, o estruturalismo torna-se crítica de arte após uma reflexão sobre a relação natureza-cultura. Recordemo-nos o interesse da arte: permite pensar a passagem da natureza à cultura e reciprocamente. De que forma a música, a pintura, a poesia, conseguem significar? Como elaboram a relação natureza-cultura?

Diz Claude Lévi-Strauss que (1964: 28) "la poésie opère tout à la fois sur la signification intellectuelle des mots et des construtions syntactiques, et sur des propriétés esthétiques, termes en puissance d'un autre système qui renforce, modifie ou contredit cette signification". É também na introdução de Le Cru et le Cuit, que Lévi-Strauss tece uma crítica há pintura dizendo que, "les oppositions de formes et de coulers sont comme traits distinctifs relevant simultanémant de deux systèmes: celui des significations intellectuelles, hérité de l'expérience commune, résultant du découpage et de l'organisation de l'expérience sensible en objects; et celui des valeurs plastiques, qui ne devient significatif qu'à la condition de moduler l'autre  en s'intégrant à lui. Deux mécanismes articulés s'engrènent, et entraînent un trosième où se composent leurs propriétés" (Ibid.: 28-29). Este excerto o que nos diz é que temos em ambos os casos uma percepção estética ligada à relação inteligível-sentido. Dá-se sempre na fronteira do natural e do cultural o aparecimento ou não de um terceiro nível. É nesta fronteira da natureza com a cultura que o estruturalismo respira, na tentativa para compreender como é que a cultura nasce da natureza sem se desligar dela.
As condições de sentido interessam sobremaneira ao estruturalista, estão sempre presentes em todo o produto humano, as intenções são múltiplas e renovadas não perdendo o fito definitivo, ou por outras palavras, a intencionalidade repousa nessas condições de sentido. Não se trata de negar os acontecimentos, mas de assegurar a permanência das possibilidades de significação, o pensamento selvagem tem a preocupação de dar prioridade à estrutura e portanto à permanência da significação.
Para Lévi-Strauss a consciência não é o centro da totalização de sentido. O estruturalismo não é um formalismo mas passa por lá, uma vez que se interessa pelo funcionamento do espírito humano, ou seja procura a inteligibilidade do humano, atingindo a estrutura do inconsciente. Na antropologia estrutural de Lévi-Strauss, a noção de inconsciente revela uma importância basilar. Primeiro que tudo, o inconsciente é descoberto no interior da estrutura. “Na Etnologia como na linguística (…) não é a comparação que fundamenta a generalização, mas o contrário. (…) a actividade inconsciente do espírito consiste em impor formas ao conteúdo, e se as formas são fundamentalmente as mesmas para todos os espíritos (…) basta atingir a estrutura inconsciente, subjacente a cada instituição ou a cada costume, para obter um princípio de interpretação válido” (Lévi-Strauss 1989a: 37). Todo o esforço do estruturalismo vai na direcção do inconsciente que deseja atingir, inconsciente esse que à semelhança da linguistica se revela incomensurável na sua diversidade. 
Com Lévi-Strauss todo o tipo de actividade da vida social participa da troca de comunicação, esta actividade social como todas as outras, integra oposições do consciente/inconsciente, sendo as leis do inconsciente reveladas pelo estruturalismo como «coisas». É com firmeza que Lévi-Strauss desenha a ultrapassagem do formalismo em O Pensamento Selvagem, a lógica do pensamento selvagem é uma lógica do sensível, uma lógica do concreto.

 V
O antropólogo do simbólico ocupa-se mais com a padronização de ideias de espírito do que com os factos terrenos. Se o estruturalismo pudesse atingir o seu objectivo – o inconsciente – passaria, quando o conseguisse, chegar à via da inteligibilidade, chegaria ao «todo», este seria o seu êxito. Mas dizer cientificamente o que é captado esteticamente na arte revela-se algo de inglório. É impossível chegar ao inconsciente como coisa. Regressar aquém dessa «arquitectura do espírito», transpor em sentido contrário a passagem da natureza à cultura, fica fora do alcance do discurso científico, onde só se pode falar metaforicamente. Como é possível que a linguagem se cale para dar lugar ao silêncio? A perda do simbólico é a perda da linguagem. Como se vai da fala ao silêncio sem palavras?
Se o espirito é uma coisa entre as coisas, cuja estrutura é comum à das coisas, podemos ver como o estruturalismo vai da linguagem ao seu inconsciente, ou seja, o que faz é passar pelas coisas que a linguagem significa, pela actividade «artística».
Tipo definitivo de arte, aliás a obra de arte por excelência, a linguagem faz falar o inconsciente, ela consegue, tendo como material o inconsciente, o que a arte tenta com outros elementos. Ou seja, a linguagem como tipo definitivo de arte pode servir de modelo, uma vez que cumpre as demais tentativas de arte - é uma actividade «artística» uma vez que a coisa a dizer não é dita de imediato é necessário encontrar uma linguagem que a diga, para essa coisa que está por significar.
É um conhecimento «artístico» do inconsciente que Lévi-Strauss tende ter, o conhecimento do «todo» antes das «partes». No estruturalismo o inconsciente é um objecto de arte, um «todo» que me cede o prazer estético vivido no contacto com a «parte» escolhida (qualquer obra humana), ou seja, a inteligibilidade sob a forma de emoção estética.
Para Lévi-Strauss se o homem experimenta um sentimento de prazer diante de uma obra de arte é porque reconhece nela a própria estrutura do seu espírito, ou seja, inconsciente o espírito reconhecera-se. Desse modo, a percepção estética é uma percepção do inteligível, assim sendo, uma vez que o espírito é portador dessas condições de inteligibilidade pode admirar-se na obra de arte. O encontro do espírito por ele próprio na obra de arte significa o encontro da natureza e da cultura.

 VI
A proveniência da emoção estética não é só de dimensões inteligíveis, Lévi-Strauss liga ainda o prazer estético à relação estrutura-facto e à noção de actividade artística. Deste ponto de vista, os mitos, simetricamente realizam esta união e podem igualmente ser «objectos de contemplação estética». Ao ligar a emoção estética a uma relação de ordem estrutura-facto, o acontecimento é uma contingência, a obra de arte é criada pelo artista mas este facto não tem qualquer importância para a emoção estética.
Falando metaforicamente da estrutura do espírito, o estruturalismo esclarece-se quando é "topado" como lógica da percepção estética. Verificamos que desde o estudo dos sistemas de parentesco ao estudo dos mitos, a estrutura do espírito é aquilo que lhe interessa. A actividade do estruturalismo é comparável à do artista. A arte (música, literatura, poesia, pintura, escultura) é um tema fundamental na obra de Lévi-Strauss. O objecto de arte é sempre, de uma maneira ou doutra uma obra de homem e constitui uma autêntica experiência sobre o objecto.
O estruturalismo pensa o simbólico na medida em que este simbólico não é apenas uma linguagem, mas que é também portador de um silêncio. Ou melhor, procura mostrar à linguagem que traz em si as origens, que traz consigo a união com a natureza, sendo essa união silenciosa. Este silêncio consagrado à música, segundo o autor, dá-se porque o homem percebe os laços que o ligam à natureza, por isso, cala-se e goza, instala-se na emoção estética. 
         Examinando um retracto de mulher (Isabel da Áustria) pintado por Clouet, Lévi-Strauss interroga-se sobre a origem da emoção estética, sobre o motivo pelo qual é provocada a emoção estética da obra de arte. “ (…) a questão que se coloca  é saber se o modelo reduzido, que é também a "obra-prima" do companheiro, [do operário], não oferece, sempre e em toda a parte, o tipo exacto de obra de arte. Pois parece que todo o modelo reduzido tem vocação estética (e de onde tiraria essa virtude constante, a não ser de suas próprias dimensões?); inversamente, a imensa maioria das obras de arte é formada de modelos reduzidos" (Lévi-Strauss 1989b: 38). Ou seja, na opinião do autor, a impressão estética está ligada ao jogo da presença e da ausência das dimensões inteligíveis, em que a obra de arte é sempre de uma maneira ou de outra de proporções diminuídas, o que segundo Lévi-Strauss "em linguagem de bricoleur, denomina-se «modelos reduzidos» " (Ibid.: 38). 
A arte trabalha em escala reduzida, tendo como fim obter uma imagem correspondente do objecto. A virtude de que Lévi-Strauss fala e que associa à «redução» resulta de "uma espécie de inversão do conhecimento (…)" (Ibid.: 39). Ou seja, o "modelo reduzido", a obra de arte, surge assim como uma espécie de homólogo da coisa: "Mais exactamente, essa transposição quantitativa aumenta e diversifica nosso poder sobre o homólogo da coisa; através dela, este pode ser tomado, sopesado na mão, apreendido de uma só mirada [alcançada com um simples olhar]" (Ibid.: 39). Consideramos que a actividade do estruturalista procura converter tudo em «arte», uma vez que procura progressivamente tornar inteligível, sob a forma de «modelo reduzido», o equilíbrio estrutura-facto.

Ao mesmo tempo que Lévi-Strauss tece comentários sobre as características do «modelo reduzido» está também a fazê-lo sobre o prazer estético. Diz Claude Lévi-Strauss, que, (1989b: 39) " (…) o conhecimento do todo precede o das partes. E mesmo que isso seja uma ilusão, que gratifica a inteligência e a sensibilidade de um prazer que, nessa base apenas, já pode ser chamado de prazer estético". O estruturalismo o que se propõe atingir é um «todo», que precede as «partes» o que nos leva a dizer que o estruturalismo é um modo de percepção estética do inconsciente. Sabemos que o estruturalismo se define pelo seu poder de inteligibilidade; sabemos que o «modelo reduzido» é fonte de um prazer estético que está ligado à aquisição de dimensões inteligíveis; será que conhecer o inconsciente será prazer estético marcado pela ilusão?
"Modelo reduzido" e estética são associados, mas Lévi-Strauss não se fica por aqui, e avança outra explicação sobre a proveniência da emoção estética: "Sempre a meio-caminho entre o esquema e a anedota, o génio do pintor consiste em unir conhecimento interno e externo, ser e devir; em produzir com o seu pincel um objecto que não existe como objecto e que, todavia, sabe criar com a tela: síntese exactamente equilibrada de uma ou de várias estruturas artificiais e naturais e de um ou vários factos naturais e sociais. A emoção estética provém dessa união instaurada no âmago de uma coisa criada pelo homem e, portanto, também virtualmente pelo espectador que lhe descobre a possibilidade, através da obra de arte, entre a ordem da estrutura e a ordem do facto" (Ibid.: 41). Ou seja, se a metáfora toca a inteligibilidade, para além dela existe a união que a arte realiza entre a «ordem da estrutura» e a «ordem do acontecimento».
Encontramos aqui apregoada uma objecção na sua interpretação à arte, mas Lévi-Strauss responde à sua objecção retomando as suas afirmações precedentes, dando a entender que existem diversas espécies de artes, elaboradas num conjunto de elementos em relação, a que Lévi-Strauss chama de o «modelo», a «imagem» e a «matéria». Esta visão de arte leva o autor a abalizar um tema significativo da atitude estruturalista que é o vazio - a futilidade do acontecimento. Refere Lévi-Strauss, (Ibid.: 42). [aquilo] "que a propósito de um quadro de Clouet tínhamos provisoriamente definido como um facto ou um conjunto de factos aparece-nos agora sob um ângulo mais geral: o facto nada mais é que um modo da contingência, cuja integração (percebida como necessária) a uma estrutura instaura a emoção estética, qualquer que seja o tipo de arte em questão"
Damo-nos conta do perpétuo movimento de vaivém do estruturalismo, o que Lévi-Strauss pretende não é só lançar um olhar estético sobre todas as coisas, a sua pretensão vai mais longe, o que ele quer é fazer do estruturalismo uma ciência e passar da arte para a ciência, ou seja, o que pretende é dizer cientificamente o que é captado esteticamente na arte.
 Todo o esforço consiste em passar da metáfora à metonímia, mas é impossível chegar a inconsciente como coisa, tomando a causa pelo efeito, a matéria pelo objecto, o sinal pela coisa significada, o todo pela parte. Como transpor a fronteira quando já só fala metaforicamente do simbólico? Não se pode transpor em sentido contrário a passagem da natureza à cultura, regressar longe do sítio onde se quer ir da cultura, até a essa «arquitectura do espírito». Mas Lévi-Strauss tenta a experiência, quer reencontrar o natural em nós, não aquém da cultura mas presente nela. Quer compreender como o inconsciente contém o consciente, e o que significa esse inconsciente.

 VII
Onde é que o estruturalismo pretende chegar? O estruturalismo esclarece-se quando é entendido como lógica da percepção estética. O estruturalismo fala apenas metaforicamente da estrutura do espirito. O estruturalismo insere-se num perpétuo vaivém constante «natureza» / «cultura». O seu intuito é ouvir o inconsciente falar do consciente? Lugar metafísico? De proibições inexistentes? Em nossa opinião isto é algo de insólito.
Dir-se-ia que o simbólico interessa na medida em que implica uma «função», mas o que nele não é função é mana. Este será talvez um dos maiores equívocos do estruturalismo, o da redução do simbólico ao funcional, uma vez que o simbólico só é pensado na medida em que é portador do par sistema-função[3]. Autênticas explanações em que o humano se refugia no inexplicável, o humano e o mana tornam-se sinónimos.
Nas reflexões sobre o mito e a obra musical, Lévi-Strauss apreendendo a parte da música em nós, atinge o ponto de equilíbrio de um humanismo estético, mas a sua tentativa está condenada a permanecer superestruturalista, uma vez que a música não pode encarregar-se de explicar todo o «simbólico». O humanismo de Lévi-Strauss é uma alegoria, é ambíguo. Em que é que o estruturalismo transforma o «simbólico»? Pensar alcançar um lugar aquém de si mesmo?
A actividade do estruturalismo é comparável ao do artista. A actividade artística surge como fenómeno de interesse, pela razão de permitir a passagem da natureza à cultura e que segundo Lévi-Strauss a arte oferece um meio privilegiado de pensar essa passagem. A arte é uma arte que traduz a estrutura comum do espírito (a comunidade do espírito e do objecto).
As leis do inconsciente reveladas pelo estruturalismo são leis de «coisas». Estético e inteligível estão indissoluvelmente ligados. 
Lévi-Strauss encontra-se predisposto para a contemplação estética. Se nos lembrarmo-nos do seu excerto em Tristes Trópicos em que diz que: "a contemplação proporciona ao homem o único favor que ele sabe merecer (…) durante os breves intervalos em que o nosso espírito consente em interromper o nosso labor de cortiço, em apreender a essência do que foi e continua a ser, para aquém do pensamento e para além da sociedade: na contemplação dum mineral mais belo que todas as nossas obras; no perfume, mais sábio que os nossos livros, respirando na corola dum lírio; ou no piscar de olhos carregados de paciência, de serenidade e de perdão recíproco que um entendimento involuntário permite às vezes trocar com um gato" (Lévi-Strauss 1993: 394). Poeta e visionário, o estruturalismo restitui-nos a parte estética de todas as obras humanas, procurando atingir a estrutura do inconsciente baseando-se na sua ligação com o cosmos.
O estruturalismo não é a ciência do espírito humano, o estruturalismo é o discurso do inteligível contido na percepção estética, é a persistência do «simbólico» que o leva à aproximação do estruturalismo com a arte.


Bibliografia

MAUSS, Marcel, 1988 [1950], "Introdução à obra de Marcel Mauss", Ensaio Sobre a Dádiva   (trad. A. Marques), Lisboa, Edições 70, 1-45.
LÉVI-STRAUSS, 1964, "Ouverture", Le Cru et le Cuit, Paris, Librairie Plon, 9-40.
 ---------------------, 1971, "Finale", L’Homme Nu, Paris, Librairie Plon, 559-621.
----------------------, Claude, 1989a [1958], Antropologia Estrutural (trad. C. Katz), Rio Janeiro, Edições Tempo Brasileiro.
 ---------------------, 1989b [1962], "A Ciência do Concreto" O Pensamento Selvagem (trad. T. Pellegrini), Campinas, Brasil, Papirus Editora, 7-49.
 ---------------------, 1989c [1978], Mito e Significado, Lisboa, Edições 70.
 ---------------------, 1993 [1955], Tristes Trópicos, Lisboa, Edições 70.
 SAUSSURE, Ferdinand de, 1999 [1971], Curso de Linguística Geral, Lisboa Publicações Dom Quixote.
 YAGUELLO, Marina, 1997 [1981], Alice no País da Linguagem – Para compreender a linguística (trad. M. J. Figueiredo), Lisboa, Editorial Estampa.




[1] "O signo linguístico une não uma coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem acústica. Signo linguístico é precisamente uma entidade psíquica de duas faces, composto pelo conceito e pela imagem acústica, Saussure propõe (1999: 124) “manter a palavra signo para designar o total e substituir conceito e imagem acústica respectivamente por significado e significante”, estas noções têm o privilégio de marcar a separação entre si, o que os distingue do total de que fazem parte.
Sabemos que para Saussure, as características primordiais do signo são por um lado a arbitrariedade do signo, ou seja, o elo de ligação entre o significante e o significado. A ideia de sincronia, estabelece uma espécie de equilíbrio de termos, apreensivos por uma colectividade e fazendo parte de um sistema formado por termos que poderiam ter outro significado, se não fossem o que são dentro daquele sistema, leva-nos então Saussure a concluir que o signo linguístico se apresenta como arbitrário em que o vínculo “ (…) que une o significante ao significado é arbitrário, ou melhor, uma vez que entendemos por signo o total resultante da associação de um signo a um significado: o signo linguístico é arbitrário” (Saussure 1999: 124). Por outro lado, a segunda característica do signo linguístico é designada pela linearidade do significante, este é de natureza auditiva e desenvolve-se no tempo e ao tempo vai filtrar as suas características.
No que diz respeito à arbitrariedade do signo, “os sinais puramente arbitrários realizam melhor do que os outros o ideal do processo semiológico; é por isso que a língua, o mais complexo e o mais difundido dos sistemas de expressão, é também o mais característico de todos; neste sentido, a linguística pode tornar-se o padrão geral de toda a semiologia, ainda que a língua seja apenas um sistema particular” (Ibid.: 125). O símbolo pode designar o signo linguístico ou aquilo a que chamamos significante, mas nestes termos não é totalmente arbitrário, o signo é na verdadeira acepção da palavra imotivado, arbitrário em relação ao significado. Em Saussure, a afirmação de que tudo é negativo na língua, só é legítima, quando aplicada ao significado ou ao significante tomados isoladamente, ou seja, desde que se considere o signo na sua totalidade estamos em presença de algo positivo.
[2] Para Lévi-Strauss “ (…) o mana é apenas a reflexão subjectiva da exigência de uma totalidade não manifestada. (…) a noção de mana não é da ordem do real, mas da ordem do pensamento que, mesmo quando se pensa a si próprio, nunca pensa senão um objecto” (Mauss 1988: 40-41).
[3] Lévi-Strauss faz da linguagem a justificação do seu sistema (ordem e significação) “ (…) pois a língua é o sistema de significação por excelência; ela não pode deixar de significar, e o todo da sua existência está na sua significação” (Lévi-Strauss 1989a: 65-66). Mais adiante, o autor virá a afirmar que o seu sistema, tal com a linguagem, estão dependentes do pensamento simbólico. “ (…) um sistema arbitrário de representações, (…) são sistemas de símbolos (…) no caso do estudo linguístico, estamos em pleno simbolismo” (Ibid.: 69). Dissociando consciente de inconsciente, Lévi-Strauss quando pensa a significação e o modelo linguístico surge com essa capacidade de justificação dessa dissociação, ou seja, o modelo linguístico introduz-se ao longo da sua obra, para demonstração e justificação do seu argumento. Em suma, a linguagem oferece a Lévi-Strauss o fundamento excelente da ligação sistema-função.

Posfácio ao Livro: O Passeio de Deus

Egocêntrico eu sou:
o prazer de um livro é quase sempre egocêntrico.
Implica gosto, prazer, posse. Editar, pelo contrário,
é altruísta implica gosto e também risco.

Diogo Ramada Couto


Conferindo-me o poder insanável da liberdade de espírito, a leitura sempre foi e será o meu vício predilecto, foi nela que cresci, foi ela que sempre me deu ensejo de escrever. Ler implica tempo, cumplicidade, abertura e predisposição, mas acima de tudo espírito crítico e alguma distanciação. Sinto este livro como uma linha transitória, expressionista, numa mistura doce mas furiosa, atravessando fragilidades vivenciais imbuídas de jogos sedutores onde a grandeza e a pequenez humana estão presentes nas experiências pessoais.

Esta explanação de cunho conclusivo colocada nesta obra, pretende somente, apreender essa procura da «consciência mais elevada das coisas». Surpreendendo-me pelo carácter surrealista em que nos faz atravessar por uma mescla de liberdade, potenciando a fantasia e a inteligência. Como tivesse desaparecido o “normal” (seja lá isso o que for) controlo da selectividade do pensamento – uma espécie de Louco Sagrado.

A fronteira entre o sono e a vigília parece desaparecer e o que emerge é uma espécie de sonho acordado onde proliferam fronteiras, associações e símbolos, os quais vêm enredar-se nas percepções da mente desperta. Daí, a acusação de poeta: O que virtualmente me dou conta é de que todos os pensamentos, todas as palavras, todas as emoções, todas as sensações, em suma, todos os cambiantes estão aqui carregados de roupagens sedutoras e deparadoras que tiram proveito dessas nostalgias “desinibidoras” e jocosas. Trata-se de uma sensibilidade activa, grandiosa, sublime até. Sendo que muitas das vezes estes cambiantes se tornam inquietantes, excêntricos, bizarros, únicos.

Ao lermos O Passeio de Deus, somos envolvidos nesse tirar proveito, esfomeado e sedento que acalenta a esperança que o meu anfitrião oferece no mínimo gesto da sua narrativa. A minha esperança foi alcançada da melhor maneira, com uma fausta refeição regada com deliciosos vinhos. Depois daquela entrada poética regada Da Fonte quando diz: Há quem nasça no por-aqui / para provar aos distraídos / aos confusos e aos materialmente ocupados / que a Fonte existe, / que a Fonte está em Nós. Assim, num estado de espírito caleidoscópio e multiforme, com essa magia instintiva, tão cara à antropologia, essa telepatia capaz de nos fazer participar numa comunicação sem palavras (dedução, apreensão – as não verbalizações), deparo-mo com o Poema do recomeço. A Barata. Aqui brinda-me a exclamação, o clamor… Desconheço um qualquer tratado ou ensaio / sobre a vida das baratas e é pena (!). Depois vem aquele repasto desta vez regado com uma deliciosa reserva, carnuda, macia e aveludada, este Do brilho do Tempo, tinha-me conquistado. Os efeitos soporíferos já se faziam sentir: Não há nada de novo(!), / apenas a mudança / de um ciclo para outro. / Tudo volta a ser como foi / sem nunca ser como foi. (…) Lembro a criança que fomos. / O Tempo hoje é criança / e sei que brilha intensamente / como nunca brilhou. / O que é que tu és Tempo (?!). Esta é a questão filosófica mais pertinente e que me revela não as gastas questões do Para Onde Vou? O Que Faço Aqui? Mas essa interrogação TEMPO!!!

O que é o Tempo? Sempre me dirigi a esta pergunta. O pensamento de um tempo fora da nossa existência é insuportável. Sobre esta alegação, quantas vezes me dirigi a esses espaços siderais para me furtar a complicações supérfluas afastando-me desse lugar com o nome de Terra. Percepciono essa beleza contemplativa de tudo o que tocamos, o que vemos, o que sentimos e simultaneamente, paradoxalmente, sentimo-nos acanhados neste sistema. E continuamos no infindável dos tempos à procura do grande desenhador. Quem fabrica a bússola para a navegação? No Exorcismo depressivo, encontramos o esconjurar perturbador da fera humana que somos todos nós. Todos aqueles que «inalam» este alcançar, esta vontade (por razões mágicas, religiosas, místicas, psicológicas ou antropológicas), sabem que se processa uma sobreactividade mental, tocando por vezes as raias Huxleynianas da liberação. Somos tocados por música com palavras.

Ainda no Exorcismo depressivo, leva-me a pensar que aquilo que pessoas têm em comum é mais forte do que aquilo que as separa: Não te esqueças / que serás sempre / a minha semântica para tudo. Estamos diante da ampola da produção poética. Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo se mostraria ao homem tal como ele é, infinito. Só que o laço que une o significante ao significado é arbitrário. O palácio do êxtase apercebe-se da insuficiência perante a pluralidade do mundo que toca as raias do agnosticismo. Porém, o pensamento emancipa-se, a maturidade intelectual pergunta-se se é ateu, panteísta, materialista ou idealista, cristão ou livre-pensador. Desconfia-se estar perto da gnose no sentido antropológico do termo. Existência-Consciência-Beatitude não são puras insinuações, encontramos uma ardente peculiaridade com a mente que elabora, se preocupa, mais do que com os lugares, a existência e o significado protegendo-se de ser esmagado pelo nome “este mundo” sabendo-se vítima do saber reduzido que temos do universo conhecido. Basta lembrar, outra vez no Exorcismo depressivo quando diz: Espera-me nas estrelas / e perdoa o Tempo. Afinal só nos resta Impaciência. É preciso comer a cor-azul do céu / e fazer a digestão / durante a Eternidade.

São os pequenos nadas que fazem a diferença. Em Todo, lá fora e aqui dentro, o ser humano é capaz de luxos biológicos. Não só o cardápio como a própria refeição sugere a elegância de dar conta que cada forma de cultura é a marca do homem, é igualmente respeitável e “sagrada” seja em que lugar for: Ganhar será o Todo / pois nunca se ganha. / O contrário não existe, / apenas a relação. Estamos perante uma postura antropológica. Todavia, não há forma de contemplação, mesmo a mais passiva, que não possua o seu conteúdo ético. Tal como nas artes plásticas, quem propõe é o assunto, mas quem dispõe é, em última instância, o temperamento do artista. Em Terapia poética realiza-se a essência física da poesia bela e valiosa: O poema deverá / ter sempre / o efeito de um narcótico.

Projectando as suas imperfeições e obsessões, com todas as preciosidades e paixões que o homem vai usufruindo nos jardins plantados sociais, por muito arrebate ou santuário inaudito que uma sociedade nos ofereça verifica-se essa dor absurda de nunca atingir em pleno a principesca felicidade. Da Morte, encontramos uma componente visionária aterradora que se vendia como perfeita, plena, sem conflitos. Morte, sexo, dinheiro e religião são questões essenciais que preocupam o ser humano in lo tempore.

As palavras evocativas empregadas pelos poetas têm por vezes essa magia de produzir imagens na minha mente, numa proporção hipnótica de vida independente. Numa ambivalência entre a magia da proximidade e o encantamento da distância, numa ironia zombatória das pretensões humanas de estabelecer normas para tudo, mesmo para a conduta dos processos cósmicos Da Filosofia ou a grande-arte da “masturbação” é-nos fácil apontar a sublime tautologia: sou o que sou. Vivemos, agimos e reagimos uns com os outros.

Cada espírito em sua prisão corpórea vai acumulando informações, experiências desses universos pessoais de génios e demónios, cada qual com o seu continente temático cheio de dramas, parábolas, profecias e outros xamanismos, julgando sempre atingirem o palácio da sabedoria. Neste cenário e perante tanta pluralidade, apercebendo-se da insuficiência e da ausência de respostas eis que surge a exclamação: Mas que grandes-aprendizes de Infelicidade! Está a dizer-nos: chega! O tempo deve parar. Encontro-me numa eternidade insaciável de uma eterna e omnipresente ausência e no entanto numa existência abruptamente presente. Aqui, o prazer, é a tarefa imediata a satisfazer os sentidos, permanecendo notavelmente estáveis, independentemente de suas idiossincrasias psicológicas.

Numa exaltação irónica mas genuína percorre-se quilómetros de literatura desde o pensador francês, Foulcaut com As palavras e as coisas,[1] de 1966, sucesso de vendas que tornou Foucault conhecido no mundo inteiro e alvo de ferrenhas críticas. Acusado de assassinar a história, Foucault respondeu em tom irónico: "não se assassina a história, mas assassinar a história dos filósofos, esta sim eu quero assassinar". Notamos aqui um efeito de repulsa por este assumo. Mas o efeito de cavalo de corrida aponta-nos a próxima emoção de velocidade: Ricouer[2], foi um dos grandes filósofos e pensadores franceses do período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. A dialéctica entre explicar e compreender, para Ricoeur, não constituem os pólos de uma relação de exclusão, mas os momentos relativos de um processo complexo: a interpretação. O ponto crucial e daí: Andava sempre em conflito com as Interpretações. Temos os Teóricos de Frankfurt[3], Marcuse, Adorno, Horkheimer, Benjamin e Habermas.

É, como diz o autor: Estou cansado disto. / Por agora vou alinhar com o Marcuse. / Ele e eu aconselhamos: / sejam livres! Eu também alinho com Marcuse ou não fosse a sua notável influência nas insurreições anti-bélicas e nas revoltas estudantis de 1968 e 1969. Não posso deixar de tecer mais umas palvras acerca desse legítimo pensador alemão que foi Herbert Marcuse[4]. Como pensador, Marcuse é, acima de tudo, hegeliano, ou seja, radicalmente dialéctico e crítico. Em Freud, Marcuse encontra a possibilidade do homem ser feliz, isto é, para Marcuse, o princípio da realidade resulta de condições históricas específicas. Ou seja, a infelicidade é um fenómeno inseparável de determinadas situações sociais. Assim sendo, quando atingirmos a situação social correcta, o homem poderia ser feliz. Quando será? No “Império da Razão”. Em Eros e Civilização Marcuse nos mostrará que o homem guarda lembranças profundas de uma possibilidade da felicidade, lembrança presente nos mitos de Orfeu e Narciso.

Agora num prisma peculiar temos como que uma mediação entre o humano e o divino. Impelido por uma intensificação de ditosa participação no limiar da consciência, somos levados, provocados, estranhamente transfigurados a uma gradual-mente presença de sensações sucessivas. Ditosas paixões, radiantes imagens de luz, memórias eróticas da alma.


Como um lá fora e aqui dentro harmonioso, urgente, infinitamente tranquilizador. Mas também ávido. Também eu no Aprendiz de Alquimia e numa súbita e transcorrida eternidade dou-me conta do contingente, do condicional e num eclipse monumental: Diz-me, meu glorioso mestre, do grande-SEGREDO. Sou o teu curioso e desnorteado aprendiz de Alquimia (Aforismo 30). Fico estarrecido e aquela opacidade perturba-me, porém, no meio deste júbilo de haver recuperado a lembrança das coisas, esse conhecimento de uma identidade capaz de memorar essa consciência da minha existência, fico perplexo.

O PASSEIO DE DEUS insere-se numa contemplação estética que me transporta para uma passagem de um dos livros de Lévi-Strauss, Tristes Trópicos em que diz: «a contemplação proporciona ao homem o único favor que ele sabe merecer (…) durante os breves intervalos em que o nosso espírito consente em interromper o nosso labor de cortiço, em apreender a essência do que foi e continua a ser, para aquém do pensamento e para além da sociedade: na contemplação dum mineral mais belo que todas as nossas obras; no perfume, mais sábio que os nossos livros, respirando na corola dum lírio; ou no piscar de olhos carregados de paciência, de serenidade e de perdão recíproco que um entendimento involuntário permite às vezes trocar com um gato». Poeta e visionário, Ângelo Rodrigues, reintegra essa procura, essa demanda que desbanaliza a vida experimentando um fogoso procurar poético do aforismo, apóstolo e provocador do estabelecido a fim de por a descoberto o espírito do tempo.

[1] A obra de Michel Foucault até hoje incomoda os ortodoxos da cultura, principalmente os de história e linguagem. Pensador de visão ampla e serena conferiu em suas observações sobre o homem, a sociedade e a ciência, caminhos que desconstruíram paradigmas individuais e colectivos na academia ocidental. Foucault em suas perspectivas pós-estruturalistas construiu, ou melhor, desconstruiu um legado de certezas e verdades presentes na academia a qual teve na religião e na ciência positivista o seu porto de ancoragem.
[2] Paul Ricouer fez uma importante obra de filosofia política. Ricoeur participou em debates sobre a Linguística, a Psicanálise, o Estruturalismo e a Hermenêutica, com um interesse particular pelos textos sagrados do Cristianismo. Cristão e antitotalitarista, notabilizou-se pela oposição à guerra da Argélia (1954-1962) e à da Bósnia, em 1992.
[3] Este grupo emergiu no Instituto para Pesquisa Social de Frankfurt da Universidade de Frankfurt-am-Main na Alemanha. Propõem a teoria como lugar da autocrítica do esclarecimento e de visualização das acções de dominação social, visando não permitir a reprodução constante desta dominação. Com a chegada de Hitler ao poder na Alemanha, os membros do Instituto, na sua maioria judeus, migraram para Genebra, depois Paris e finalmente, para a Universidade de Columbia, em Nova Iorque. A primeira obra colectiva dos frankfurtianos é os Estudos sobre Autoridade e Família, escritos em Paris, onde estes fazem um diagnóstico da estabilidade social e cultural das sociedades burguesas contemporâneas. Nestes estudos, os filósofos põem em questão a capacidade das classes trabalhadoras em levar a cabo transformações sociais importantes. Esta desconfiança, que os afasta progressivamente do marxismo "operário". Mais tarde, com Marcuse inicia-se uma frente de trabalho que associa a Teoria Crítica da Sociedade à Psicanálise. Marcuse, que permanece nos EUA após o retorno do Instituto para a Alemanha em 1948, leva a que Adorno continue o trabalho iniciado na Dialéctica do Esclarecimento, de reformulação dialéctica da razão ocidental, em sua Dialéctica Negativa, sendo considerado ainda hoje, o mais importante dos filósofos da Escola. Com a sua morte, começa o que alguns chamam de segundo período da Escola de Frankfurt, tendo como principal prenunciador, o antes assistente de Adorno e depois, seu crítico mais ferrenho, Habermas.
[4] Marcuse foi o mais significativo dos frankfurtianos, do ponto de vista das repercussões práticas de seu trabalho teórico, já que teve influência notável nas insurreições anti-bélicas e nas revoltas estudantis de 1968 e 1969.

Fernando Baleiras
Agosto de 2007

Gorreana: O Sacerdócio do Chá

Índice
- Preâmbulo
- A Diáspora do Chá
- O Fio Histórico do Aparecimento do Chá em São Miguel
- Em Gorreana
- As Vicissitudes que o Chá Tem Passado
- A Crença nas Propriedades Curativas
- Bibliografia



- Preâmbulo
Oferecendo um clima ameno [1], a ilha de S. Miguel [2], a chamada Ilha Verde, com base na cor que lhe confere contempla-nos com uma exuberante flora. Neste vasto conjunto de plantas destaca-se a cultura de chá. A fertilidade do solo e a posição geográfica contribuem para o cultivo desta planta. No vasto maciço florestal encontramos a única produção de chá da Europa com este nome – Gorreana.
Quantos de nós, continentais, ouvimos falar em Gorreana? A palavra mágica do chá açoriano, secular, com a divisa de vulto de ser único, plantado, nascido e embalado na Europa. A produção do único chá europeu com este nome está intimamente ligada a uma família açoriana, nela se contam os tempos que vêem desde a matriarca Hermelinda Gago da Câmara, que fundou o Chá Gorreana, até aos dias de hoje em que são seus proprietários Margarida Hintze e o seu marido Hermano Ataíde Mota.

Em diversas partes da ilha de São Miguel interroguei alguns habitantes sobre o que me podiam falar sobre chá, todos eles me apontaram o “quartel-general” do chá. Aliciavam-me para uma visita, e que uma delas já tinha feito, ao museu perto da aldeia da Maia, a meio caminho entre a Ribeira Grande e as Furnas. No amplo edifício térreo, deparamo-nos de imediato em letras garrafais com o nome CHÁ GORREANA. De museu, esta fábrica não tem nada. Assim que entramos deparamo-nos com a presença de maquinaria de tratamento de chá que nos põe confusos, porque ficamos com a sensação de estarmos em presença de peças museológicas, mas assim não é. Embora estas máquinas tenham muitos anos, sendo basicamente oriundas da tecnologia dos anos 30, estão em perfeitas condições para executar as suas tarefas. Sem as sofisticações tecnológicas actuais, deparámo-nos com um artesanato perfeitamente assumido. Quanto à embalagem do chá, verificamos o mesmo ritmo artesanal. Quatro mulheres de mãos hábeis passam a “pente fino” – à mão – as folhas antes de entrarem nas respectivas embalagens. Com o mesmo ritmo preenchem os conteúdos dos sacos de cor garridos: são três as cores das embalagens, o vermelho destina-se ao Orange Pekoe, o verde para o Hysson e o azul para o Pekoe.

“Sob a orientação de chineses mandados vir de propósito, esta fábrica foi fundada por Hermelinda Gago da Câmara e seu filho Eng.º José Honorato Gago da Câmara, entre 1880 e 1882. Mais tarde, de 1920 a 1924, o Comendador Jaime Hintzel ampliou-a, montando novas máquinas, sem esquecer o desenvolvimento das plantações com vários tipos de chá”.[3]

Esta fábrica já conheceu cinco gerações, sempre com a mesma família, sendo que a sexta geração faz tenções de assim continuar. Dizer que se trata de uma empresa única, produtora de chá na Europa não basta, o chá Gorreana é uma instituição secular, se assim se pode dizer, em todos os sentidos. Detentora de um local e de um produto de produção única, com orgulho abrem «as portas» ao lugar de “culto”.

Com as pessoas de Gorreana usufrui momentos de esplêndida “cavaqueira”. Não me furtarei a mencionar aqui o nome da pessoa que foi a minha principal interlocutora porque a isso me incentivou, Hermano Mota, excelente cicerone de uma simpatia sem precedentes, gestor e representante da família do complexo Gorreana. Grande conhecedor da matéria, Hermano Mota tem um discurso fluente e espirituoso, entrecortado na nossa conversa, vai dizendo poeticamente que uma das particularidades do chá é dar mais leveza à água, ou ainda, que o chá dá mais companhia para a conversa do que o café (sic). Aproveito também para agradecer a gentileza com que fui acolhido pelo Sr. João Manuel, empregado de Gorreana, que me guiou no percurso de concepção do chá, desde a sua apanha, passando pelo processo maquinal, até à concepção final. Quero agradecer ainda à Dra. Lina Baptista, em estágio na sua licenciatura em História, na biblioteca da Ribeira Grande, que foi muito generosa com o seu tempo, com a pesquisa bibliográfica e com a sua amabilidade – foi um imenso prazer.

- A Diáspora do Chá
Planta de cultivo com cerca de quatro mil anos, o chá (a bebida) terá sido descoberta por um imperador chinês. Mas a sua origem contínua envolta num colorido manto de lendas chinesas, japonesas e indianas, já a sua divulgação a Ocidente pertence aos navegadores portugueses.

A história oriental dos portugueses levou-os a experimentar o chá como bebida e como culto, e a divulgá-lo no ocidente, através da sua porta comercial na Ásia – Macau – e a introduzir na língua portuguesa expressões relacionadas com o chá. A palavra portuguesa «chá», proveniente da palavra cantonense «cha», integrou-se no vocabulário comum da língua através de Macau, pois era Macau, no século XVII, o grande entreposto de comércio do chá proveniente da China. Os primeiros grandes comerciantes de chá com a Europa foram os holandeses, que em 1607 fizeram a primeira encomenda de chá aos portugueses de Macau.

Diz-nos Augusto Gomes (1987: 248), “ (…) que o primeiro chá consumido no nosso país não o terá sido como bebida alimentar, mas sim como medicamento, não só pelo facto dos cronistas da época raramente o mencionarem nos lotes de especiarias, como ainda pela definição que nos dá o «Esboço de hum Dicionário Jurídico, Theorético e Práctico, Remissivo às leis compiladas, e extravagantes, por José Caetano Pereira e Sousa, advogado na Casa da Suplicação», obra póstuma publicada em 1825, «arbusto do Japão cujas folhas são mais longas adentadas, das quais se extrahe a tintura que se bebe …». Ora, sabendo-se que o vocábulo tintura significa, para além da sua acção ou efeito de tingir, os preparados farmacêuticos obtidos pela dissolução do álcool ou éter dos princípios solúveis contidos nas drogas secas, parece ficar assim confirmada tal teoria. (…) a opinião do sábios naturalistas alemães Link e Hoffmamsegg, aquando da sua passagem por Portugal, indicando o Norte do país como terreno ideal para o cultivo do chá na Europa, não foram suficientes para entusiasmarem os portugueses, que, pelo contrário, a desprezaram como mercadoria de futuro numa Europa ávida e ansiosa por absorver o exotismo asiático. Contudo, o hábito de tomar chá inflitrar-se-ia em terras lusas, passando-se a servi-lo em chás-dançantes, e de caridade, designando-se também as refeições leves, intercaladas ao almoço e jantar, constando de torradas, biscoitos e bolachas, de chás”.

Em Portugal continental, em meados do século XIX, houve várias tentativas de introduzir a cultura do chá, cujos vestígios ainda podem ser encontrados nalguns recantos do país, designadamente em Sintra, onde existe um lugar chamado Alto do Chá, no Parque da Pena. Conta Montalto de Jesus (1990: 280), a propósito do cultivo de chá em Sintra, introduzido por D. Fernando II nas suas propriedades, em 1882, que “ (…) a condessa Edla tinha um jardim de chá no palácio real de Sintra, sendo o seu «chá das cinco» abastecido com excelente chá de Macau, devidamente tratado por peritos chineses expressamente enviados para essa finalidade”.

- O Fio Histórico do Aparecimento do Chá em São Miguel
As primeiras notícias da existência da planta do chá neste Arquipélago remontam aos fins do séc. XVIII, embora seja admitido que já nos séculos XVI e XVII, esta planta já fosse conhecida nos Açores, uma vez que as naus portuguesas, nessa época, nas viagens de retorno do Oriente aqui faziam escala. Segundo Carreira da Costa (1978: 219-220) “o fio histórico do aparecimento do chá nas ilhas data do início da segunda metade do século XIX, (…) que começou a praticar-se nos Açores e especialmente em S. Miguel, a cultura do chá com o fim industrial, embora a tradição nos diga que já nos fins do século XVIII existisse nos Açores a curiosa planta”.

Em Novembro de 1799, era então regente de Portugal D. João (futuro D. João VI), é pedido ao Governador-geral dos Açores, também conde de Almada, para que fosse enviado para o Reino algumas plantas de chá, que já nesse tempo cresciam na ilha Terceira. Foi já em 1801 que o Conde de Almada, Governador-geral dos Açores, envia para o continente dois caixotes com o chá que abundava na ilha e que não era convenientemente aproveitado.

Por outro lado, chega-nos a notícia de que a primeira cultura de “chá teria começado em S. Miguel com a vinda por volta de 1820 de algumas sementes trazidas do Brasil pelo micaelense Jacinto Leite que as utilizou numa propriedade sua, das calhetas” (Costa 1978: 220). Há também a informação de que fora um micaelense, cujo nome se ignora, que enviara estas sementes para S. Miguel, mas a versão aceite pelos meus informantes é a primeira, uma vez que Jacinto Leite desempenhava no Rio de Janeiro, as funções de comandante da guarda-real, na corte de D. João VI.

Com o declínio da produção e da exportação da laranja, cujo apogeu decorrera por volta de 1870, começaram os micaelenses por intermédio da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense a pensar no desenvolvimento da cultura de chá, bem como na sua preparação e por consequência na sua exploração industrial. Em 1874, era votada pela Sociedade uma maior verba para esse efeito à qual adicionariam subsídios especiais do Governo Central e da Junta Geral de Distrito de Ponta Delgada. Todavia, é só em 13 de Novembro de 1877 que a S.P.A.M. consegue contratar dois chineses para virem aos Açores ensaiar a fabricação de chá – para testar se seria viável ou não a instalação de fábricas de chá na ilha.

Com a intervenção de Eugénio Correia e Silva, na época governador de Macau, dois chineses são enviados a Lisboa a bordo do paquete “África”. Já em Lisboa viajam para os Açores no vapor “Luso” e a 5 de Março de 1878, desembarcam em S. Miguel. Na qualidade de mestre e manipulador, Lau-a-Pan e o seu ajudante e intérprete Lau-a-Tang iniciam as experiências logo após dez dias da sua chegada à ilha, começando por visitarem algumas plantações nas Capelas, Pico da Pedra e Ribeira Grande. Foi me dito ainda, que estes dois chineses não ocultaram a sua admiração pelo desenvolvimento e robustez que o chá obtinha em terras micaelenses. Ao colherem as primeiras folhas logo se prepararam para fazer a primeira demonstração da sua manipulação e assim se avaliar as suas qualidades[4].

No ano seguinte, foram dados os passos para a indústria de chá na ilha de S. Miguel. “Por intervenção de M. F. Fouqué, foi analysada em Paris uma amostra de chá preto, enviada em 1879; o resultado da analyse feita por M. Schutzenberger, Professor do Collegio de França, é o soguinte:
Cellulose . . .
Resina . . .                                         Insolúveis            64,3
Albumina . . .
Matéria gordurosa . . .


Theína ou cafeína . . . 4,2
Tannino . . . 1,1                                 Soluveis             35,8
Matéria gommosa . . . 30,5
                                                                                                  _____
                                                                                                  100,1

São os dois chimicos de opinião que a analyse revela qualidades de um excelente chá, como igualmente o prova a infusão. A maior parte do chá do commercio não contem mais de 2 a 3 por cento de theina, que é o princípio activo característico”.[5]

- Em Gorreana
Gorreana, propriedade de 43 hectares é uma sobrevivente. Desde o final do século passado o chá teve uma produção importante nos Açores, conseguindo “ (…) ocupar consideráveis áreas sobretudo nas zonas norte de S. Miguel, chegando a existir 14 fábricas, devidamente licenciadas” (Costa 1978: 220). Presentemente Gorreana é a única exploração a funcionar em São Miguel, embora já haja em Porto Formoso uma pequena exploração em experiência, mas numa vertente mais turística, com a quinta a preparar-se para alojar e receber forasteiros.

Nome que suscita curiosidade, Gorreana, Hermano Mota explica a sua origem: Na altura em que tivemos que dar um nome à casa lembramo-nos de uma senhora marcante que vendia diversos produtos num cruzamento de caminhos - aqui ao pé de nós. Chamava-se Ana e andava sempre de gorro na cabeça (sic).

Desastrosamente ignorado por uns e carinhosamente apreciado por outros, os conhecedores desta bebida reivindicam-lhe uma ancestralidade floral envolta em poesias. Veterano destas coisas do chá e com gosto pelas suas proezas, nada melhor do que acompanhar o discurso no meio de uma vaguíssima sensação de abandono, de lassidão, de isolamento a que o lugar, necessariamente obrigava, em que os odores atravessavam o meu olfacto pouco hábil a conviver com aromas que se desprendiam de todas as direcções, o «senhor Gorreana» na sua madurez requintada e micaelense, mas também com bonomia, convoca-nos a uma cerimónia religiosa a que só os verdadeiros amigos devem ser convocados.

Casado com Margarida Hintze desde 1966, filha única e herdeira da propriedade e da fábrica, Hermano Mota, dedicou toda a sua vida a preservar uma tradição familiar que vinha já dos finais do século passado. O chá não lhe era um produto desconhecido, uma vez que a sua família de origem deteve até aos anos 50 uma das mais importantes fábricas de chá na ilha, o Chá Mafoma. Os conhecimentos adquiridos junto da família e a sua formação técnica na Escola Agrícola de Santarém granjearam-lhe conhecimentos suficientes para se iniciar nos segredos da sua manipulação.

Segredo de manipulação? Pode ser! Quando o chá era enrolado à mão era complicado ter um chá com uma determinada característica, até porque nem todos tinham a mesma sensibilidade de odores. É desagradável pensarmos esta questão: a transpiração das mãos, dos enroladores de chá, principalmente nos meses mais quentes (Junho, Julho, Agosto) era inevitável, embora pareça um pormenor de somenos importância acaba por ter um peso no produto final. Nessa época as pessoas não eram muito afectas às técnicas, aos termómetros, aos parâmetros de temperatura, de humidade ao arejar ou não arejar as plantas nos momentos propícios, em suma, a compactação do chá (sic). Nessa altura o chá obrigatoriamente fermentava, porque senão as enzimas azedavam o chá. Ora, aquele que conseguisse os parâmetros mínimos para a sua concepção fazia segredo do seu domínio, da sua “alquimia”. Qualquer livro minimamente técnico tem aproximações à sua manipulação, temperaturas, graus de humidade, etc. Depois cada um dentro dessas indicações dá o seu contributo… mas o solo tem um papel determinante, a acidez do solo, a constituição do solo é a “chave”, no qual não se pode fugir, sobretudo na área do taninos[6] (sic).

Sendo a planta mais ou menos oxidada, obrigatoriamente que influencia o chá no aspecto do paladar, na infusão mais ou menos transparente, mas também aqui cada produtor insere os seus, parâmetros, a sua “arte”. Em Gorreana a preferência vai para o chá de infusão transparente, daí fazerem uma oxidação longa, uma vez que as fermentações são quase nulas. Diz-nos Hermano Mota, que nesta área “navegaram” durante muito tempo, foi preciso estudar a folha de Gorreana, que tem as suas próprias características. Comparando o seu teor com a folha do Quénia, nós estamos cá em baixo e eles lá no fim da tabela (sic). Portanto, hoje não há uma grande preocupação no guardar do segredo, o clima, o tipo de folha que o solo produz, o grau de humidade, esses é que são os segredos.

O que tem de especial o solo açoriano para esta cultura? Acontece que na ilha não existe o contratempo da geada, as nossas plantas crescem num local onde a acidez do solo predomina, ou seja, para esta cultura a geada seria o inimigo enquanto o solo ácido é um dado primordial para a sua boa cultura. Mais, diz-nos Hermano Mota, as plantações necessitam de 30 milímetros de água por mês, o que para nós não é nenhum mistério (sic).

Com o peso de quem dirige a única empresa de chá da Europa, Hermano Mota impulsiona o discurso para a “magia da natureza”. A raiz da planta açoriana é pouco profunda, vai no máximo até a um metro de profundidade, por exemplo, na Índia há raízes que podem atingir 12 metros de profundidade. Penso que talvez seja daí a razão pela qual os ingleses, quando se referem ao chá, falem de raízes profundas (sic). Esta questão das raízes tem essencialmente a ver com a chuva. Por exemplo, numa zona onde chova durante três meses e que de imediato surja um longo período de seca, a planta para se defender cava uma raiz mais profunda, precisamente para procurar água.

Foi “ (…) devido à semelhança de temperatura e do grau higrométrico entre a China e os Açores, [que] não foi difícil a estes o êxito da sua cultura. (…) O terreno utiliza-se, de preferência, o da adubação vegetal azotada (fins de Março). Também a maneira como é feita a poda terá influência na boa ou má folhagem” (Oliveira 1967: 226).

A colheita da camellia sinensis faz-se entre o mês de Abril e Setembro. Os dias preferidos para a apanha são os dias secos e claros, por vezes a apanha faz-se em dias de chuva, mas é mau, a chuva é uma faca de dois gumes, sem ela a planta não cresce, a folha não ganha a seiva suficiente; com ela não é possível ir para o campo com a máquina para a sua apanha. As folhas molhadas necessitam de mais temperatura para lhes retirar a humidade. Todavia, apesar dos contratempos, diz Hermano Mota, quando chove aparecem mais turistas, as agências de turismo aproveitam a alternativa de fazer a visita de praxe à fábrica de chá.

Nos locais mais baixos da plantação a apanha faz-se 5/6 vezes por ano, durante a altura da poda[7], nas partes mais altas fica-se pelas 3/4 vezes, dependendo da temperatura que as plantas apanharam. À medida que a máquina vai cortando as folhas, dois rapazes atrás, vão puxando e ajeitando as folhas para dentro de um saco. Um terceiro rapaz, de reserva, vai acatando algumas folhas que possam ficar retidas na planta. Se a planta está boa, se é uma altura boa, a máquina apanha em média cerca de 2000 quilos de folhas, traduzindo-se depois em 500 quilos de folhas secas. As plantas são sempre as mesmas que, consecutivamente se renovam.

A adubação do terreno é feita com cerca com 250 quilos de adubo por hectare, no mês de Setembro, altura em que o extremo da folha já não produz mais. Entre Outubro e Fevereiro faz-se os cortes das plantas para as limpar. Desta poda, de tudo o que cai da folha serve para adubar, e este é que é o adubo utilizado em Gorreana – não são utilizados químicos ou herbicidas. Assim que começa a vir a Primavera, as plantas têm que estar preparadas para depois rebentarem, há anos em que começa mais cedo a apanha das folhas, como aconteceu por exemplo este ano, foi um ano bom para o chá, antes de Abril já aconteceu uma apanha e acabamos de fazer a segunda (sic).

Depois da apanha, a planta é trazida para a «oficina» e colocada em tabuleiros de rede que lhe facilitam a perca de humidade. Logo que as folhas ficam murchas são levadas para a máquina para serem enroladas, onde simultaneamente a própria máquina separa as folhas grandes das pequenas, ou seja, faz o equilíbrio das folhas. Da máquina faz parte uma passadeira rolante em que ao fundo desta estão algumas mulheres, duas ou três, que vão tirando alguns talos que as redes não filtraram. Tendo uma rede com várias malhas, em cada orifício dessa rede vai caindo um tipo de chá. Ou seja, as folhas pequeninas são as que enrolam primeiro, saindo delas o melhor chá, uma vez que tem mais seiva que as folhas grandes.


Do saber profissional não obsta, contudo, os valores funcionais e simbólicos que se mantêm no essencial constantes, o sacerdócio do chá passa pela aceitação da essência dos seus conteúdos. A cada folha seu sabor. Mestre Hermano Mota explica que é da primeira folha da planta que sai o chá preto, o Orange Pekoe[8] mais aromático e de sabor mais leve, feito das folhas mais tenras. Quando as folhas ficam murchas são levadas para a máquina para serem enroladas durante meia hora; passam mais meia hora num segundo enrolador onde a ultima seiva é libertada; durante cerca de meio minuto vão para um tabuleiro, onde as folhas são agitadas para arejarem e perderem temperatura; segue-se a oxidação, (mais ou menos três horas), não se deixando, no caso de Gorreana, atingir a fermentação; a seguir o chá é colocado num forno a secar a uma temperatura de 80º C durante vinte minutos; depois procede-se ao equilíbrio, ou seja, o chá é separado por tamanhos; passa em seguida pelo peneiro de vento, onde é separado por peso; finalmente “repousa” geralmente oito meses em depósitos completamente herméticos, para que o seu paladar se vá requintando, sendo que antes de ser embalado ainda passa por uma escolha feita à mão.

Com o Hysson, o chá verde, o seu tratamento é diferente. É extraído da segunda folha planta, as suas folhas são murchas, cozidas e secas, enquanto no chá preto a oxidação é bem-vinda e a fermentação vem por acréscimo, no chá verde evitam-se as oxidações e as fermentações. Passa também pela fase de murchamento da folha, entretanto, cozem-se as folhas com vapor de água durante 3 minutos; vai depois para a máquina eléctrica para ser enrolado; a seguir leva uma passagem rápida de secador; por fim vai «descansar», para um espaço destinado a esse feito. O caso do chá verde não fermenta em contacto com o ar, as folhas já estão mortas, como já foi cozido esta fermentação não se dá. Só depois de termos feito por exemplo um litro de chá, e o deixarmos durante um dia em contacto com a água que entretanto ferveu é que este chá perde as suas propriedades, porque o que aconteceu entretanto é que oxidou.

Quanto ao chá Pekoe (quer dizer folha em japonês), Gorreana está a evitar a sua concepção. Este chá tem que ser moído, e não compensa produzi-lo porque consome muita energia. O Pekoe é feito a partir das folhas mais duras e que se partem, bem como dos talos que são muito rijos, (esses pezinhos da planta), também chamado o chá Broken (folhas partidas). Além de ser considerado um chá fraco, tem a particularidade de apresentar pouca taina, logo menos agressivo.

O chá tem uma sensibilidade muito própria e adquire com muita facilidade outros aromas. Por exemplo, se estiver perto de um sabonete, ele absorve-o logo, e isto é uma das suas particularidades. Alerta-nos Hermano Mota: desconfie-se dos chás com sabores a frutas, por norma servem apenas para esconder os chás de má qualidade (sic). Excepto o caso do considerado o melhor chá do mundo, o indiano, com paladar, corpo e vida, mas também com um preço muito alto, especificamente o que nasce na cordilheira de Assam, a dois mil metros de altitude, o oriundo da China é uma referência decisiva, num país onde os métodos de produção seguem o mesmo artesanato praticado em Gorreana. Quanto ao chá japonês, com as suas folhas liofilizadas, é o supra-sumo da técnica.

A Gorreana têm-se mantido e pretende continuar a manter-se fiel à China, até porque a primeira semente chegada a esta casa veio da China, através de Macau, coincidindo esta chegada com a necessidade de reinventar a agricultura açoriana, muito abalada em 1870 com a praga na laranja que até aí tinha sido a monocultura da ilha. Uma outra cultura, a do ananás, e que segundo o mestre de Gorreana os de São Miguel são um dos melhores do mundo, foi outra das culturas testadas que veio substituir o fim trágico do citrino.

Esta empresa que existe desde 1874, teve o seu primeiro quilo de chá produzido em 1883 (cuja data está assinalada na sua fachada) o afamado e ortodoxo[9] chá preto. Em 1998 a sua produção foi de 27 toneladas, das quais apenas três eram de chá verde. O mesmo intuito foi seguido em 1999, em que a sua safra atingiu as 30 toneladas, das quais só 3 toneladas foram para o chá verde.

- As Vicissitudes que o Chá Tem Passado
O negócio do chá teve ao longo do seu mais do que um século de vida nos Açores aventuras e desventuras. Gorreana não escapou à regra, conheceu anos ruinosos nas décadas de 70/80. Como analisa Hermano Mota, os portugueses alteraram muito os seus hábitos alimentares, só há cerca de 7/8 anos é que houve um retomar da tradição (sic). Na vertente mercantil faz uma geração que saímos do continente (sic). Até 1976/7, vendia-se no mercado continental 80% da produção, na sua maioria chá preto, e que representava nessa altura cerca de 50 a 60 toneladas de chá por ano, vendidas sobretudo na região norte de Portugal continental. Mas a empresa que fazia a sua distribuição passou por uma crise, como passaram muitas empresas nessa altura, arrastando consigo a empresa Gorreana - ficaram sem chá e sem dinheiro. As relações com a empresa distribuidora funcionavam da seguinte maneira: quando se acabava de enrolar o chá preto em Setembro, que tem um tempo de maturação, forçosamente 7/8 meses, era enviado para o continente o chá que já tinha entretanto acabado a sua fase de “repouso”. Isto faz-nos lembrar o vinho do Porto, que tem que estar um tempo em cascos, mas era assim que funcionava e ainda funciona. Esta quantidade de chá que ia para o continente ficava em depósito e à medida que era vendido eram feitas contas mensais, ou seja, o dinheiro da venda do chá reportava-se sempre ao mês anterior.

Neste momento de grande de crise, Gorreana, esteve para encerrar as suas portas, não havia mercado nos Açores, a mão-de-obra encareceu, foram três anos difíceis (sic). E porquê o não desaparecimento? O seu não desaparecimento[10] deveu-se a uma série de conjecturas, nessa época, Gorreana, já tinha uma mecanização mais acentuada que as outras empresas concorrentes – havia muitas empresas que ainda utilizavam máquinas a vapor. Além disso era mais fácil produzir leite do que chá, é pegar numas sementinhas deitar na terra e ao fim de três dias lá estão as vacas a pastar, e é tudo o que é preciso fazer (sic). Esse lugar deixado pelos produtores de chá, que arrancaram as suas plantas, permitiu a Gorreana a sua não desistência.

Afastados do continente começaram a preocupar-se em arranjar mercado nas ilhas, “navegaram” durante algum tempo. A recuperação foi lenta, mas conseguiram imporem-se, numa primeira fase, o mercado de S. Miguel e da Ilha Terceira e depois nas ilhas em geral.

Há três anos a esta parte Gorreana conseguiu uma empresa distribuidora no continente, que trabalha com chá, sobretudo chás medicinais. Entregam em pequenas quantidades – não há camiões, não há a carrinha de 3 mil quilos. Oportunidade importantíssima para Gorreana, pela primeira vez, desde há dez ou quinze anos, que se preocupam em preparar a plantação para que no ano próximo tenham chá para satisfazer as encomendas, principalmente chá verde. Tanto que este ano vão fazer mais 4 toneladas de chá verde. Das apanhas de plantas fazíamos 750 quilos, depois passamos para 2 toneladas, o ano passado 5, e este ano vamos fazer 9 toneladas (sic).

Comenta Hermano Mota: se nós fossemos uma multinacional qualquer, ocupávamos um minuto ou meio minuto numa estação de televisão, púnhamos uma senhoras muito simpáticas a fazer croché e a tomar uma chávena de chá, apelando para um produto de tradição e com alguma história (nem que seja um senhor com bigodes fartos numa fotografia), as pessoas fazem associações e dizem isto afinal tem tradição! Existe há cento e tal anos porque é que eu não conheço? Mas, não temos esse folgo. O chá precisa dessa divulgação, que tem o «efeito de abrir a porta», já experimentamos essa sensação com programas de TV, «A Praça da Alegria» de José Luís Goucha e o do «Clube Disney», este marketing ajudou a fazer reaparecer o chá no continente – isto não é novo para ninguém – a publicidade nos media tem um efeito tremendo (sic). Recorda Hermano Mota que nos anos 40, no continente, na baixa lisboeta, mais propriamente nos Restauradores, havia um enorme placar, com um enorme anúncio de chá na fachada dos cinemas, agora nesses placares estão lá anunciados os “constantinos” que já são históricos, o Brandy, o Croft – ainda me recordo dalgumas palavras nesses velhos anúncios de chá «Chá Canto, o chá dos Açores, que faz bem, etc.». Também nessa época havia pelo menos duas casas na Av. Roma que produziam chá nos Açores, duas delas era a família José do Canto e a família Hintze Ribeiro (sic).

Durante a segunda Grande Guerra Mundial as coisas mudaram, as dificuldades de exportação aumentaram. A escassez nos transportes era generalizada, mas nos Açores foi sentida com muita agudeza, dado o seu isolamento, os barcos andavam por tudo quanto era sítio aos tiros (sic), ou seja, os meios de transporte estavam ao «serviço da guerra», tendo como consequência um recuo na produção de chá, sobretudo nos produtores de folha – havia os produtores de folha e os que só se dedicavam à sua transformação. Contudo, até fins da segunda guerra mundial, o chá dos Açores era o chá que se falava no continente. Não era mistério nenhum: chá era dos Açores.

Mais tarde começou a vir o chá de Moçambique, no início os consumidores que estavam habituadas ao chá dos Açores, um chá fraco com pouco teor de tanino e de infusão transparente, continua-se a vender, ou seja, o chá verde proveniente de Moçambique, “carregado” de tanino não é bem aceite no continente, mas uma portaria do governo, isenta de impostos todo o chá que entrasse em Portugal oriundo dessa ex-colónia. Com esta medida política e proteccionista o chá dos Açores entra em desvantagem. O chá açoriano não é contemplado com nenhuma medida de protecção, bem pelo contrário, para enviar chá para Santa Maria pagava-se na alfândega, o mesmo acontecia para a Ilha Terceira, só não se pagava para enviar chá de Gorreana para Ponta Delgada. Esta condescendência para com o chá de Moçambique foi uma grande “machadada” no chá dos Açores (sic). Portugal foi invadido de chá proveniente da colónia moçambicana. O chá Moçambique não é melhor nem pior – era diferente. Nestas coisas do chá não há o melhor chá do mundo, melhor chá é aquele que gostamos, é como o anúncio de cerveja Carlsberg «provavelmente a melhor cerveja do mundo» – provavelmente! (sic). Mas o que verdadeiramente os Açores precisava, segundo o meu interlocutor Hermano Mota, era de chá para exportar, embora fossem declaradas no Grémio da Lavoura setecentas toneladas, o que se produzia verdadeiramente era novecentas ou mil toneladas, mas precisávamos de muito mais (sic).

Uma das medidas com a qual o «senhor de Gorreana» se congratula é ter tido a "sorte" de, com a revolução industrial na área do chá, não ter sido instalado uma caldeira na fábrica como muitos fizeram mas, terem optado pelo sistema eléctrico. Geograficamente foi propício ter avançado com este sistema até porque existe um ribeiro com bom caudal que corre o ano inteiro, muito perto fábrica. Fizeram uma represa, pequena é certa, criaram uma queda de água com 80m metros, colocaram uma turbina, uma hidro e um gerador e eis que ainda funciona (sic). Nesta época a facilidade de energia permitiu ter motores eléctricos em vez de lenha para as máquinas a vapor. Segundo Hermano Mota, esta escolha, permitiu uma certa facilidade, uma certa folga, permitindo-lhes resistirem à guerra, ao chá de Moçambique, à falência da firma distribuidora de chá no continente. Em suma, as vicissitudes que o chá tem passado foram várias: foi a Segunda Grande Guerra Mundial; foi o chá de Moçambique; foram as máquinas a vapor, que entretanto tiveram o seu período de vida, efémera diga-se de passagem (sic).

Os contratempos do chá não se ficaram por aqui, a última das crises deu-se há cerca de oito anos com a abertura do primeiro hipermercado na ilha e a consequente chegada de novas e mais baratas marcas de chá. No melhor mercado, S. Miguel, as vendas baixaram em 43%, devido a estes novos espaços (sic). Para agravar esta crise contribuiu a grande seca de 1991, que limitou a produção a sete toneladas - num bom ano, a média é de 25 a 30 toneladas. Foi outro dos períodos diabólicos, tão diabólico que a família renui-se para tomar uma decisão sobre o rumo de Gorreana. A família tinha uma casa comercial em Ponta Delgada sem fazer negócio. A pergunta é: o que é que se faz? A unanimidade era continuar. As pessoas voltariam a beber chá. Tiveram que vender património para manter esta situação mais dois anos. Foi uma boa aposta, e a verdade é que Gorreana mostra algum interesse, sobretudo por causa do desenvolvimento turístico em S. Miguel e de uma maneira geral nas restantes ilhas açorianas, principalmente Faial e Pico, e mesmo para Ilha da Madeira, onde se vende algum chá.

Diz-nos mestre Gorreana que estes pequenos mercados, estas pequenas vendas são importantes para Gorreana. Se em 10 pessoas que experimentem o nosso chá, duas ficarem com o hábito de o beber, essas duas irão trazer (dar a beber), mais umas tantas e assim vai fazendo parte do consumo de quem o ingere. A transmissão da primeira vez que se o bebe o chá é importante (sic).

A exportação não tem tido grande peso nas vendas, das 27 toneladas vendidas o ano passado, apenas três foram para os Estados Unidos e Canadá, e mais três para a Alemanha, onde os clientes são algumas casas de chá e particulares que recebem a mercadoria pelo correio. Dado ser um cliente assíduo dos correios de Ponta Delgada, no seu jeito brincalhão, Hermano Mota diz que até tem direito a cartão de boas-festas. Para o continente vendeu três toneladas, sendo que as restantes 18 toneladas foram consumidas no mercado açoriano.

O comércio do chá de Gorreana, na sua maior parte é comercializado nas ilhas açorianas, mas as três toneladas consumidas no ano passado, no continente, provam haver agora uma redescoberta, um despertar para o seu consumo. Porém, fora de Portugal o mercado americano é importante de duas maneiras, primeiro porque uma grande parte do chá que é vendido em S. Miguel e de uma maneira geral em todas as ilhas destina-se ao consumo de pessoas que estão imigradas nos EUA. Ou seja, praticamente toda e qualquer pessoa das ilhas tem um parente, seja ele irmão, tio, primo, cunhado, etc., que está nos Estados Unidos e sempre que podem enviam (muitas vezes a pedido destes) o nosso chá Gorreana (sic). Nos Açores, viaja-se muito para os EUA, e o chá faz parte da lembrança que se leva para os familiares, para os amigos, para além disso não traz preocupações alfandegárias. É por esta razão que, uma parte considerável do chá vendido nos Açores acaba por ser consumido noutro mercado, nos Estados Unidos. O seu principal consumidor é o açoriano, todavia começa a entrar nos hábitos de alguns americanos, onde o chá é vendido a um preço alto, em pequenos retalhos. Assim, vão aparecendo os mercados de acordo com as promoções turísticas ou não, que o governo e as pessoas em geral vão fazendo.

Longe de ser uma empresa lucrativa, Hermano Mota, afirma a sua sobrevivência por carolice da família, que tem procurado noutro tipo de agricultura a viabilidade da empresa, que pretende não deixar morrer e a que as instituições não têm dado apreço e muito menos ajuda. Confessa que é à sua lavoura com 140 vacas e ordenha própria, que tem encontrado o equilíbrio para os momentos menos bons do chá. O homem de Gorreana não se deixa arrastar por conversas do «coitadinho», até porque, como diz, os jovens são os grandes consumidores do chá em potência. Disso não tenham dúvidas. Não sei se sabe, continua Hermano Mota, a nível mundial o chá é a bebida mais consumida, bebe-se mais chá do que coca-cola (sic).

O chá tem história e está de boa saúde, afirma Hermano Mota, passada aquela fase difícil pós 25 de Abril que se prolongou até aos anos 80/85, em que as pessoas tinham aversão a tudo aquilo que era tradição, já passou, noto que hoje há uma preocupação com tudo aquilo que é “passado” (sic). Cada vez mais o número de visitantes em Gorreana aumenta.

A postura displicente foi-se afastando, e Hermano Mota recorda um episódio que observou: aquando de uma visita há alguns anos, por parte dos alunos da Universidade dos Açores, percebi-lhes algum desencanto com que estavam aqui dentro, pondo questões deste género: «então! Mas como é? Isto ainda existe? Isto já não devia ter acabado?», bem, o “tom” era este. Eram alunos entre os 18 e os 25 anos mais ou menos (sic). Mas estas visitas não pararam, e mestre Gorreana nota com satisfação sobretudo na “rapaziada” do preparatório, mais sensibilidade, mais predisposição para ouvir e perceber, conhecer as “coisas” do chá. Têm mais vivacidade, mais interesse, fazem mais perguntas, interrogam com mais facilidade, têm alegria no interrogatório que fazem, riem daquilo que perguntam, fazem chacota, mas isto é saudável na maneira de estar, de conhecer, de aprender, isto espantou-me. Recordou-me que na época em que tinha a idade deles, para falar, fazer uma pergunta, tinha que por o dedo no ar, timidamente, com a bata bem abotoadinha, e manter-me de pé. Era outro tipo de “ginástica” (sic).

- A Crença nas Propriedades Curativas
Assente numa estrutura familiar, esta empresa, pretende produzir este ano, como nunca o fez no passado, quatro toneladas de chá verde, isto porque a sua procura é mais intensa, explicando que a isso se deve uma certa crença, ou seja, o chá verde é tido com propriedades curativas. Augusto Gomes (1987: 245) um contista de mérito nascido em Angra do Heroísmo no seu livro a Cozinha Tradicional da Ilha de São Miguel diz-nos que: “Foi durante muito tempo [o chá] apenas cultivado por Chineses e Japoneses, que, além de fazerem dele a sua bebida nacional, empregavam-no como medicamento eficaz e depurador das águas inquinadas”. Hermano Mota conta a este propósito um episódio com alguma satisfação: entre as muitas pessoas que recebe em Gorreana, recebeu um dia a visita de um médico que fazia investigação dos benefícios e malefícios de bebidas, nomeadamente o café e o chá.

Explicando ao médico todos os pormenores da produção no fim da visita, foi a vez do médico dar a sua palestra mais ou menos assim: o clínico em causa argumentava que a cafeína actua sobre o sistema nervoso central, enquanto a taina actua sobre o sistema muscular. Daí podem estar certas aquelas pessoas que dizem socorrer-se do chá para estudar e trabalhar durante longas horas a fio (sic). Não se metendo neste assunto mas aceitando a aprendizagem, Hermano Mota, passou a acreditar neste prognóstico. Quanto a mim, durante a elaboração deste trabalho acompanhei-o com o Orange Pekoe, deixei praticamente chegar ao fim o pacotinho, será que ele (o chá) me acelerou e me inspirou, de qualquer modo achei interessante.


Bibliografia
COSTA, Carreira da (1978), Esboço Histórico dos Açores, Instituto Universitário dos Açores – Ponta Delgada, Editora Livraria Pax, Braga.
D'ALMEIDA, Gabriel (1892), Manual do Cultivador e Manipulador do Chá, Ponta Delgada, Typo-lythographia Minerva.
GOMES, Augusto (1987), Cozinha Tradicional da Ilha de São Miguel, 2ª edição, Região Autónoma dos Açores, Secretaria Regional da Educação e Assuntos Sociais – Direcção Regional da Cultura, Angra do Heroísmo.
JESUS, Montalto de (1990), Macau Histórico, Edições Livros do Oriente.
OLIVEIRA, A. P. Lopes (1967), Ilhas de Bruma: Roteiro Açoriano, Editora Livraria Pax, Braga.
·ARQUIVO DOS AÇORES, Volume I, 1980, Ponta Delgada, Instituto Universitário dos Açores, Imprensa Nacional Casa da Moeda.
·DIRECÇÃO ESCOLAR PONTA DELGADA – APONTAMENTO HISTÓRICO ETNOGRÁFICO, II Volume, 1982, S. Miguel de Santa Maria.


[1] Os valores médios da temperatura do ar em S. Miguel são: 16º C na Primavera, 21º C no Verão, 18ºC no Outono e 14ºC no Inverno.
 [2] S. Miguel tem uma superfície de 759,41 Km2, com um comprimento 65 Km e uma largura máxima de 14 Km. Esta ilha faz parte do grupo Oriental, tendo a sul a ilha de Santa Maria (55 milhas) e a nordeste a ilha Terceira, do grupo central (90 milhas). Situada a 25º 30’ de longitude oeste e 37º 50’ de latitude norte.
[3] DIRECÇÃO ESCOLAR PONTA DELGADA – APONTAMENTO HISTÓRICO ETNOGRÁFICO, II Volume, S. Miguel de Santa Maria, 1982, p.246.
[4] A primeira quantidade de chá fabricada pelos dois referidos chineses - que trabalhavam sob a alçada de uma comissão nomeada pela Sociedade Promotora da Agricultura, “(…) teria como relator o Dr. Ernesto do Canto e dir-nos-ia que as primeiras quantidades de chá aqui fabricadas [em S. Miguel] foram de 8 Kg. de chá preto e 10 de chá verde” (Costa: 1978: 220).
[5] ARQUIVO DOS AÇORES, Volume I, Ponta Delgada, Instituto Universitário dos Açores, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1980, p. 535.
[6] O tanino é um dos elementos que compõem a seiva das plantas, uma substância básica, antiácida, destigente.
[7] A poda realizada ao arbusto tem como fim aumentar a produção das folhas, esta é feita de maneira a dar à copa uma forma esférica ou piramidal com o objectivo de os ramos terem o mesmo grau de vegetação, ou seja, a poda é feita pela base com o intuito de obter novos ramos e melhor folhagem.
[8] O Orange Pekoe é uma referência clara ao Duque de Orange, da Companhia das Índias ocidentais, iniciador do comércio de chá.
[9] Segundo a explicação de Hermano Mota, por ortodoxo entenda-se: o que é tradicional, ou seja, quando os chás onde as folhas estão secas e quase na integra. Assemelha-se muito ao chá enrolado com as mãos e com os pés, à maneira da China e da Indonésia (sic).
[10] Nos anos 80, das quatro fábricas de chá existentes na ilha Açoriana, três desapareceram: o Chá Barrosa, cujas instalações arderam, e o Chá Faria e Maia, que fechou.

Junho/2000
Fernando Baleiras