Índia – Alvo de Imperativos Categóricos do Nosso Olhar

«A aventura da descoberta de uma imagem outra termina invariavelmente na ilusão de uma redescoberta de nós próprios.»
José Gomes Carlos da Silva


Prólogo
O conhecimento que temos da sociedade indiana a maior parte das vezes cinge-se a uma visão clássica, em que o modelo hierárquico continua a modelar. Mesmo sabendo da existência de configurações diferentes a que Louis Dumont[1] tratou como de somenos importância, «marginais», continua-se a omitir circunstâncias, dados etnográficos como se eles não existissem. Se queremos dar conta da realidade, não podemos pegar na realidade dos factos e adaptá-los aos nossos pressupostos.

De que critérios dispomos nós para aferir da validade, da pertinência, e do carácter explicativo de uma obra em geral? Qualquer texto é passível de várias leituras e sabemos que é lugar-comum aceitar os trabalhos dos clássicos, tidos como algo de intocável. Que meios temos ao nosso alcance para encetar uma leitura atenta? Sabemos apenas que nunca será através de um contacto passivo e acrítico.

Em Durkheim, a abordagem das sociedades primitivas faz-se através do encontro com o inverso das sociedades ocidentais, a que chama modernas. Encontramos na base de teoria durkheimiana a oposição radical entre primitivo e moderno, classificar é a palavra de ordem, mas não basta, surge a necessidade de juntar, de agrupar, de estabelecer relações entre elas, sejam elas relações de causalidade ou de subordinação hierárquica. Com Dumont apesar da abordagem ser algo distinta, o percurso é semelhante. Para Dumont no Homo hierarchicus, a leitura que fazemos é esta: existe à face da terra vários homens, na Índia o que existe é o Homo hierarchicus, o homem de todas as culturas do mundo, excepto o homem que somos nós, os Ocidentais.


DESENVOLVIMENTO DA TEMÁTICA
Para aceder a um nível de compreensão mais satisfatório «deveremos» articular o que ficou lá atrás com o que vamos apreendendo e seguindo, as dúvidas, as reflexões e as polémicas dos primeiros contactos no descobrimento do chamado Mundus Novus – abriram definitivamente as portas da até então meditativa Europa e colocaram-na frente à infinita variedade de culturas e sociedades da humanidade inteira.


Nos primeiros momentos, a alteridade destas sociedades, revelam-se no seu aspecto pitoresco - o mais imediatamente visível. Uma busca de formas diferentes de sociabilidade desloca continuamente ilustrações variadas. Os viajantes começam a publicar as suas observações e alguns, inclusive, dedicam-se a escrever compilações das mesmas. Certos circuitos da informação e da convivialidade desenham um percurso de aventura voraz, onde o deleite dos sentidos era alimentado pelo recheio de gabinetes abarrotados de curiosidades. Aparecem conceitos e problemáticas que acompanharão o curso e as atribulações da etnologia. "Eles julgaram possível contemplarem-se através do olhar de uma outra sociedade. […] os Ocidentais quiseram dar uma aparência de verosimilhança ao diálogo com o Outro" (Gomes da Silva, 1990: 40). Olhar não era de todo um acto pacífico, as populações observadas não compartilhavam dos mesmos usos e costumes que o observador europeu, e dada a inexistência de vocabulário os outros eram designados por termos classificatórios, sempre como lugar-comum, a inferioridade cultural ou mental.

É lugar-comum os manuais de história mencionarem que Portugal orgulha-se de ser o país mais antigo da Europa, conseguindo manter a sua autonomia com a consequente união política, linguística e cultural. E o povo privilegiado entre todas as nações cristãs e eleito para uma missão histórica. Neste ambiente e com o culminar do descobrimento marítimo para a Índia tomou um carácter sagrado que servia um imperialismo religioso e político. "Quando os portugueses descobrem a Índia, olham-na através do sistema de referências simbólicas elaborado no Ocidente" (ibid.: 36).

A polissemia da antropologia toma um discurso em que a plasticidade se adapta a qualquer registo metafórico. Procura-se o ajustamento para a eficácia construída que aspira a uma inteligibilidade mutatis mutandis.


"O viajante ocidental é um «tradutor». O seu principal labor consiste, muitas vezes, em verter uma realidade nova nos termos da que lhe é familiar. […] Mas é forçoso admitir que muitos dos elementos que nos são transmitidos nos informam sobre o quadro mental dos observadores, mais do que sobre a realidade descrita" (ibid.: 37-38). A invenção destaca, posições, elaborações que se pauteiam como repertórios stand, genótipos em que convergem para as mesmas formulações, obedecendo quase sempre aos operadores das estratégias «incubadoras» e intencionais.

A procura de imagens credíveis não se deve tão-somente às marcas dos painéis culturais dos próprios intervenientes, está implícito que o Ocidente tem «necessidade» desses créditos e por isso debruça-se nessa novas realidades completamente distintas dos quadros mentais ocidentais. Mas nestes quadros estão presentes a opressão, a superstição – os medos religiosos. É como se disséssemos: se a realidade que temos aos nossos olhos não corresponde às expectativas, então, temos que a mudar, colocá-la em sintonia com aquilo que pretendemos fazer ver. Este encontro com a diferença faz-nos lembrar o percurso durkheimiano. A sociologia francesa, pelas mãos de Durkheim e Mauss, contem esta busca incessante de trajectos fictícios, dissimulados, do conhecimento de si próprios, através do outro. A reflexão, ou melhor, toda a especulação durkheimiana assenta num conjunto de «constatações» em que as semelhanças são interpretadas como funestas, desprovidas de qualquer organização, em que uma aparência de elaboração científica perpetua uma completa ignorância pelo objecto, pelos factos, utilizando um quadro irrelevante, um quadro de incoerências de análise dos dados fornecidos - o ponto de partida é o ponto de chegada.

O interesse no estudo de outras sociedades, revelou-se ser em grande parte o interesse pela origens, convidando-nos a ter um olhar pouco claro e negativizado das sociedades não ocidentais, tendo como único fim, justificar as suas auto-referências. A realidade etnográfica não é aquilo que nós queríamos que ela fosse. Transparece no texto de Dumont uma apropriação dos factos etnográficos da sociedade indiana para justificar a suas auto-referências. A ideia de classificação, de hierarquização, em que (A) não se pode sobrepor a (B) é absolutamente problemática. E este é que é o pequeno grande problema. Que «fronteira é esta? A vulnerabilidade do pensamento de Dumont é a dificuldade que ele tem de pensar duas realidades distintas. É desta forma que nos deparamos com a questão da classificação da morfologia social e do indivíduo no desempenho do seu papel na produção e reprodução dos actos sociais. Quando Durkheim (1969: 399) diz: "Toute classification implique un ordre, hiérarchique dont ni le monde sensible ni notre conscience ne nous offrent le modèle", a lógica é sempre uma comparação de hierarquia em que as sociedades vão avançando - isto é nitidamente um modelo evolucionista.

Apesar da abordagem utilizada por Louis Dumont ser algo distinta da abordagem de Durkheim e Mauss, encontramos o mesmo desfasamento entre a teoria e a realidade: não é a teoria que se adapta à realidade (ou à sociedade), mas antes a realidade etnográfica, que é tratada para obedecer à teoria. De um lado estão os holistas, os Outros (sociedade onde os actores sociais se fundem no todo do grupo), do outro lado, as sociedades modernas, sociedade onde os actores sociais (indivíduos) são individualistas.

À semelhança dos seus «inspiradores», Dumont, no homo hierarchicus utiliza várias dicotomias que pretende contrastantes. A noção de hierarquia em Dumont não se pactua apenas à morfologia social em si própria, ela refere-se também aos valores, às ideias pré-concebidas no intuito de reter a dicotomia individualismo/holismo. O que Dumont faz é confrontar os conceitos de primitivo e moderno, onde a classificação e a hierarquização dos grupos estão carregadas de pressupostos à boa maneira durkheimiana. Mas outras dicotomias no texto dumontiano o atravessam, a perspectiva dele está longe de ser benéfica, elegendo à maneira durkheimiana uma divisão radical, numa hierarquia rigorosa – igualitarismo/hierarquia e puro/impuro. Querendo, a grande questão de Dumont é a de que o homem é hierarquizado. Encontramos no texto de Louis Dumont este propósito auto-referencial, em que o que está em jogo é a construção teórica (com evidente desprezo pelos dados etnográficos) do Ocidente. E esta é uma das grandes vulnerabilidades no pensamento dumontiano. Como podemos ver nesta parágrafo Dumont adoptou uma espécie de visão funcionalista, procurando fixar o b, a, ba, da cartilha sociológica.

Para toda uma série de autores (Dumont, Bouglé, etc.), a ideia de divisão rigorosa entre as castas é reforçar as unidades que se repudiam. Significa isto que a casta é um grupo de indivíduos que mantêm entre si uma aproximação exagerada, sendo que o contacto com o exterior seria poluente.


É nas castas que a problemática da hierarquia encontra o seu epicentro, o homo hierarchicus ao longo do texto procura sistematizar através dos dados etnográficos aludidos, esta questão - a das castas. Só que situações de carácter etnográfico que trazemos aqui como exemplo relativizam as perspectivas de Dumont. “ […] no sistema de castas, é relativamente inquestionável a posição dos brâmanes e dos intocáveis. Na zona média do sistema, cada grupo social produz «argumentos» que pretendem provar a superioridade do seu próprio estatuto. O discurso das diferentes castas e os argumentos produzidos cruzam-se numa rede complexa de oposições, num jogo incessante de identidades relativas. Não existem, aqui, quadros definitivos, nem posições estáveis. De aldeia para aldeia, de região para região, vemos alterar-se a morfologia social: os grupos em presença raramente são os mesmos, modificando-se, portanto, as relações e os critérios que permitem codificar as diferenças” (Gomes da Silva 1990: 94-95).

Quando falamos em hierarquia em Dumont trata-se de uma construção de divisões, unidades auto-contidas em coisas estanques. O sistema de castas, tal como é definido por Dumont, " […] divide o conjunto da sociedade num grande número de grupos hereditários distintos e ligados por três caracteres: separação em matéria de casamento e de contrato directo ou indirecto (alimento); divisão do trabalho, tendo cada um desses grupos uma profissão tradicional ou teórica, não podendo os seus membros se afastar dentro de certos limites; finalmente hierarquia, que ordena os grupos em posições relativamente superiores e inferiores umas às outras” (1992: 69). Segundo Dumont, a casta é assim um sistema a partir do qual devem ser estudados os seus elementos componentes a partir da noção de unificação. Mas esta unificação é feita no exterior, os diferentes níveis encontram-se no seu interior subdivididos, pois, é preciso considerar segundo o autor do homo hierarchicus, que " […] mais do que um "grupo" no sentido comum, a casta é um estado de espírito, um estado de espírito que se traduz pela emergência, em diversas situações, de grupos de diversas ordens a que se dá geralmente o nome de "castas". Eis porque não se deve ver o conjunto a partir da noção de "elemento", segundo a qual se conheceriam pelo nome e pela natureza os "elementos" constituintes, mas a partir da noção de "sistema", segundo a qual alguns princípios fixos presidem ao agenciamento de "elementos" fluidos e flutuantes" (ibid.: 84).


Vimos que para Dumont o sistema de castas, é um sistema de valores, formal, racional, é uma ideologia, um sistema intelectual que procura apreender através da noção de hierarquia, mas sentimos as suas dificuldades.

Logo no início do seu texto, ao lermos o prefácio do Homo hierarchicus de Dumont, deparámo-nos com uma defesa, que sublinha necessariamente as dificuldades da sua tese. Quando o autor menciona La Pensée sauvage, de Lévi-Strauss, pp.144-177, trazendo à cena que se deve "lembrar que Lévi-Strauss pôde comparar subtilmente «totem e casta» sem pensar na hierarquia em nenhum momento", o que encontramos é uma atitude de ampliação ideológica que procura ambiguamente diagnosticar, fazendo referência a trabalhos de outros autores, que tomamos como uma forma de suavizar os seus pressupostos.

A visão de Dumont é uma visão tradicional sobre a Índia, tem um ponto de vista conformista, que vai de encontro ao senso comum ocidental. É um ponto de vista que lamentavelmente se condena a si próprio. O malogro é que o «observador» o que faz é destinguir, mais do que aproximar as diferentes castas. Hierarquiza-as e define-as sobre critérios manifestamente subjectivos.
O texto de Dumont é uma ideologia, um sistema intelectual que procura fazer apreensões através da noção hierarquia. Quando diz que " […] a partir de nossa opinião corrente sobre a hierarquia, fazemos em primeiro ligar para nós a representação do sistema das castas, ou de um conjunto de castas determinado, como uma ordem linear que vai das mais alta à mais baixa - uma ordem transitiva e não cíclica: cada casta é inferior àquelas que a precedem e superior àquelas que a seguem, e todas estão compreendidas entre dois pontos extremos. [No entanto], […] na região mediana em particular, é frequentemente difícil classificar absolutamente duas castas, determinadas uma em relação à outra […] se considerar-mos os princípios que servem para classificar mais ou menos perfeitamente as castas numa ordem. Encontramos, assim, subjacente a essa ordem, um sistema de oposições, uma estrutura” (Dumont 1992: 90).

É-nos perfeitamente visível a dificuldade que Dumont tem em classificar duas castas. Perante tal dificuldade utiliza a perspectiva hierarquia analisando o sistema de castas através daquilo que acha ser " […] um único e verdadeiro princípio, a saber, a oposição do puro e do impuro. Essa oposição subentende a hierarquia, que é a superioridade do puro sobre o impuro; ela subentende a divisão do trabalho, porque as ocupações puras e impuras devem do mesmo modo serem mantidas separadas. O conjunto está fundado na coexistência necessária e hierarquizada de dois opostos” (ibid.: 94). Como vêem neste exemplo a lógica é sempre uma comparação de hierarquia. Classificar a(s) sociedade(s) desta ou daquela maneira parece-nos completamente algo que soa a falso. Basta olharmos para o sistema complexa da sociedade indiana para nos darmos conta que estamos longe da simplicidade. "A reflexão de Louis Dumont sobre os temas da hierarquia e do poder exige ser discutida neste contexto geral. Assente na oposição puro/impuro, a hierarquia, tal como Dumont a apresenta a partir do sistema indiano das castas (jâti) e dos varnas, é definida como uma questão puramente religiosa. Deste ponto de vista, opõe-se ao poder - um poder laicizado (talvez no período védico segundo o autor)" (Gomes da Silva 1994:194-195). O ângulo pelo qual Dumont reflecte no homo hierarchicus sobre o puro/impuro é definida como uma questão puramente religiosa. "Colocados respectivamente, nos níveis superior e inferior da escala dos estatutos, brâmanes e intocáveis (puros/impuros) delimitam um espaço hierárquico que Dumont recusa conceber como uma «cadeia de poderes sobrepostos»" (ibid.: 195). O puro e o impuro são colocados por Dumont num sentido descendente e irreversível, ou seja, em «superiores-puros» e «inferiores-impuros». Esta questão levanta inúmeros problemas se atendermos aos dados etnográficos recolhidos por outros investigadores, tais com Gomes da Silva, Rosa Perez e Madeleine Biardeau.

"Tem sido sobejamente referido o carácter bramanocêntrico da observação antropológica sobre o sistema de castas na Índia […] Quer isto dizer […] que se cristalizou a ideia de que, à medida que se "desce" na hierarquia, o sistema tende para uma espécie de minimalização dos caracteres que identificam o "topo" (Perez in Corpo Presente 1996: 48). Parece haver aqui uma «inversão» no sentido em que " […] nem sempre são os grupos «inferiores» que parecem reivindicar o estatuto dos grupos «superiores» […] Em Orissa, quando o rei de Puri intervém no ritual da renovação que é o ratha yâtrâ, é obrigado a varrer cerimonialmente o chão das viaturas que abrigam provisoriamente as divindades do grande templo: como se sublinha de bom grado em Puri, o rei comporta-se nessa altura como um verdadeiro intocável. O que se deve reter desses exemplos é que no termo do ciclo, quando a sociedade atinge o paroxismo da crise, urge assegurar uma recuperação de vitalidade que só os indivíduos ou os grupos de «baixo» estatuto parecem capazes de proporcionar. Vemos confirmar-se, assim, a necessidade de uma relação de dependência recíproca, […] o «alto» e o «baixo», o «puro» e o «impuro», repudiam-se na mesma medida em que se atraem" (Gomes da Silva 1994: 194).


Também para Rosa Maria Perez, dificilmente existe uma lógica gradativa e acomodada da linearidade de Dumont, citando-se a si própria[2], nos diz que " […] os intocáveis Vankar[3] consideram-se contaminados por castas consideradas estatuariamente superiores: […] a parteira Vankar sente-se mais poluída quando partilha a grande poluição decorrente dos partos de mulheres de castas não intocáveis do que quando trata de mulheres da sua casta. No primeiro caso exige um sari novo para substituir o seu, que queima; no segundo, limita-se a lavar a roupa que de novo usará" (Perez in Corpo Presente 1996: 51). No essencial, os intocáveis são uma peça fundamental na sociologia da Índia, nos mecanismos esclarecedores da Índia, ao contrário de Dumont, em que para ele falar da Índia era falar dos Brâmanes.

A dita pureza, para assegurar a sua «manutenção» necessita do desempenho da impureza e Dumont não tem como contradizer esta complementaridade entre puro e impuro, aliás, nas tarefas repositoras " […] a divisão do trabalho religioso e a atribuição permanente a certas profissões de um certo nível de impureza caminham paralelamente no quadro de oposição puro/impuro” (Dumont 1992: 99-100). Parecem manifestamente visíveis as dificuldades de sustentação da tese dumontiana. Dumont apercebe-se das suas dificuldades classificatórias, não é simples classificar as castas através de uma hierarquia de oposições radicalizadas, elaborando diversas tentativas, e ignorando o que não se encaixa na suas teorias (sempre muito durkheimiano), mas não deixando de as por em causa, vai sempre submetendo-as a comparações e formatando-as noutros exemplos. Sustentando-se num conceito de Parsons vem a dizer que: "Uma vez isolada a hierarquia como uma simples questão de valores religiosos [...] ligamos o princípio hierárquico à oposição de puro e impuro. Ora, temos de reconhecer que essa oposição, puramente religiosa, não nos diz nada sobre o lugar do poder na sociedade" (ibid.: 118-119). Mas então em que é que ficamos? Nalgumas páginas atrás disse que: "O princípio igualitário e o princípio hierárquico são realidades primeiras […] da vida política ou da vida social em geral" (ibid.: 51). Depois, mais à frente estando ainda na Introdução, diz o seguinte: " Adoptar um valor é hierarquizar […] uma certa hierarquia das ideias, das coisas e das pessoas é indispensável à vida social. Sem dúvida, na maioria dos casos a hierarquia se identificará de alguma maneira com o poder, mas o caso indiano nos ensinará que não há nisso nenhuma necessidade” (ibid.: 66). Deparamo-nos aqui com alguma confusão em que trajectos fictícios desenham processos incoerentes contaminados de infirmações.

Se nos fiarmos na teoria de Dumézil, na teoria das três funções,[4] o que nós temos é séries lineares, pensar o que seja a Índia em termos lineares é algo de errado – na Índia nada é linear, nem mesmo a estrutura social.


Há necessidade de olharmos com alguma distância para esta perspectiva hierárquica, ela não explica, ela não resolve, ela contém uma série de problemas, que parece iludir, quando se diz que a estrutura social da Índia é composta por: Brâmanes; Kshatriyas;Vaishyas;Shûdras.


Dumont, considera as quatro varnas, como uma outra hierarquia existente para além da hierarquia do puro e do impuro apresentado-os por ordem decrescente. Vejamos o seu texto: " […] no mais alto, os Brâmanes ou sacerdotes; abaixo deles, os Kshatriyas ou guerreiros; depois os Vaishyas, no uso moderno sobretudo os comerciantes; finalmente os Shûdras, servidores ou criados" (Dumont 1992: 119). Os pressupostos dumezelianos de tripartição funcional das sociedades indo-europeias são implicitamente mencionados. Na teoria das varnas a quarta categoria, a dos Shûdras surge após o período védico. Isto que aqui está ilustrado é a concepção da hierarquia de Dumont, que é radical. Para Dumont (1992: 124), há "[…] uma distinção absoluta entre sacerdócio e realeza." Na hierarquia dos varnas, engloba várias dicotomias. O conjunto das quatro varnas divide-se e subdivide-se, combinado aspectos de dependência. "Falando comparativamente, o rei perdeu suas prerrogativas religiosas: não sacrifica mais, ele faz sacrificar. O poder está, no absoluto, subordinado ao sacerdócio, ao passo que, de facto, o sacerdócio está submetido ao poder. Estatuto e poder, e consequentemente autoridades espiritual e autoridade temporal, são absolutamente distintos." […] Encontramos, então, nas varnas, essa diferenciação entre estatuto e poder […]" (ibid.: 124). Mas, atentemos naquilo que Dumont escreve na página que mencionei: «O poder está […] subordinado ao sacerdócio, ao passo que […] o sacerdócio está submetido ao poder.» …? Há que perguntar: se, o poder existe como é que ele se resolve? Dependendo de quê? De quem depende o poder na sociedade indiana, uma vez que o rei está submetido ao sacerdote? É possível hierarquizar de uma forma tão radicalmente rígida? Como nos diz Biardeau, (1972: 28) “ […] la hiérarchie sociale est définie par un ordre purement extrinsèque à ses membres. Le brâhmane n’est pas supérieur par nature, mais seulement par position. Il peut évidement déchoir de sa caste en agissant contrairement à ses devoirs, mais cela fera de lui un « hors-caste » et non un Ksatriya, ni un sûdra”. Não obstante Dumont afirma (1992: 130), "que o poder existe na sociedade, e o Brâmane que pensa na sua hierarquia sabe disso muito bem; por outro lado, a hierarquia não pode, sob pena de contradizer seu próprio princípio, lhe atribuir um lugar como tal: [Quando nós tentamos perceber como é que estes grupos reagem em termos sociológicos/religiosos nada desta hierarquia se apresenta de uma forma rígida. Continua Dumont,] é preciso, então, que ela lhe dê lugar sem lhe dizer, ela está condenada a fechar os olhos quanto a essa questão para não destruir a si mesma".

Estamos intrigados, para Dumont a hierarquia está condenada a fechar os olhos? A construção teórica dumontiana mergulha na contradição. A sustentabilidade das suas teorias, o seu subvertimento, tem um efeito de sucção. Encontramos em Dumont o arrastamento das suas postulações. "Para que a teoria de Dumont possa ser retida é indispensável que todas as oposições que ela nos propõe possam ser encaradas como pertinentes" (Gomes da Silva 1994: 202). Sabemos que assim não é, e sabemos da dificuldade que o autor do homo hierarchicus tem nesse desempenho chegando a apelar para o Manto da Virgem de Misericórdia, são palavras suas: "Assim como o manto da Virgem de Misericórdia recobre sob suas vastas dobras os pecadores de todo o tipo, a hierarquia da pureza recobre, entre outras diversidades, seu próprio contrário" (Dumont 1992: 131). Neste sentido estamos com um problema, não é possível manter esta unóculidade. Para Dumont a delimitação do espaço hierárquico é inalterável. Iremos ver que esta postura não se coaduna com a arquitectura simbólica da Índia.

Dumézil procurou encontrar na Índia em termos de concepção religiosa, aquilo que aqui está descriminado: Brâmanes; Kshatriyas; Vaishyas; Shûdras.


Se tivermos em conta estas séries lineares de Dumézil, vai dizer-nos aquilo que já sabemos - a sociedade dos Brâmanes é rigidamente hierarquizada. Mas, se pegarmos na arquitectura simbólica, a realidade já é outra. Na Índia todos os níveis de realidade sociológica são articulados com o período sazonal deste pais. Na Índia como nós vivemos um ciclo inteiro ao longo do ano, nós temos que entender aquilo que poderíamos designar por pico térmico – em meados de Julho atinge-se o máximo das temperaturas. Estas temperaturas do pico de Verão são subitamente interrompidas pela chega das chuvas de monção (na região Este).

Na Ásia (na Índia em particular) a ordem das estações, as temperaturas a partir de Janeiro/Fevereiro sobem suavemente até aos 50 graus centígrados, o que vem a seguir é a Monção.


As chuvas tropicais da Monção, põe fim a uma tortura de verão (2 meses de chuvas contínuas): Quando isto acontece é um espectáculo etnográfico decisivo. Há uma espécie de revolução instantânea, em poucas horas a paisagem transforma-se, do dia para a noite. Catherine Clément no seu livro Por Amor da Índia fala-nos dessa «magia» da monção “ […] toda a noite, uma multidão sem sono dançara nas ruas, celebrando num mesmo movimento as primeiras horas da liberdade e a chegada da monção, dupla festa. Ao alvorecer, os jovens erravam ainda pelas ruas abraçando-se uns aos outros; raparigas e rapazes, a despeito das castas, das religiões e das conveniências, trocam beijos e doces e gritavam uns aos outros: «Livres! Somos livres!» […] Camponeses agasalhados nos turbantes desfeitos vagueavam debaixo das árvores com olhares maravilhados […].”[5] Passa-se de uma paisagem, seca, árida, para uma paisagem verdejante. O Verão ainda não desapareceu, é como as duas estações se penetrassem uma na outra – assim como tudo na Índia.

O que é que esta dicotomia meramente sazonal tem a ver com a estrutura e hierarquias? Tem muito. Porque esta dicotomia, entre a estação seca e a das chuvas, rege uma quantidade de dispositivos mentais indianos. Por exemplo: "O calendário ritual de Orissa está directamente relacionado com as diferentes fases do ciclo agrícola. […] O mês lunar divide-se em duas metades - a quinzena obscura (Krsna pakhya) e a quinzena clara (sukla pakhya). A quinzena clara constitui um período particularmente favorável para a realização de cerimónias religiosas e o último dia da quinzena, purnimâ (Lua-Cheia), subsume uma forma de plenitude sociocosmogónica á qual se sucede […] um tempo de crise” (Gomes da Silva 1990: 94). O ano agrícola é evidentemente sentido em duas partes em duas metades, há uma espécie de drama cósmico. Na fase da estação quente para a das chuvas. Do ponto de vista ecológico e económico assistimos a uma crise em torno das monções. O momento do ano agrícola, é o momento forte do ano religioso, isto tem repercussões do ponto de vista sociológico. Nesta altura à uma espécie de renovação da estrutura social, reinvenção da sociedade, evidenciando a assimetria – em que as perspectivas rígidas de Dumont não contribuem para eliminar a perspectiva hierarquia.


Do ponto de vista religioso, do ponto de vista simbólico, neste momento acontece uma espécie de autêntica restruturação das coordenadas sociais, implicando a colaboração e a equivalência simbólica de actores sociológicos – entre Brâmanes e Intocáveis, desempenhando estes últimos, nestes momentos, papéis centrais.

Em termos de concepções religiosas, os primeiros textos, a primeira forma de religião que se encontra na Índia articula-se à volta do sacrifício.


O sacrifício é na Índia o momento alto das concepções religiosas. Tudo na Índia é produzido através do sacrifício. O sacrifício é o dispositivo de natureza religiosa e simbólica que supõe um sacrificante e um sacrificado. Supõe alguém que encomenda um sacrifício e que suporta os custos materiais do sacrifício. Falar de sacrifício é impossível sem trazer ao diálogo as próprias sociedades. Neste contexto, o sacrifício apresenta-se nas suas várias componentes, nomeadamente a componente religiosa, sociológica e económica.

O sacrificador, é aquele que realiza as cerimónias, os rituais, o Brâmane. Só existe um sacrificador quando existe um sacrificante. O sacrifício é o acto de poder à ordem, onde ela não existe. O mediador, que é o Brâmane, obtém por exemplo a chegada das chuvas a tempo, ou seja, em proveito de quem o sacrifício se realiza.


Qualquer homem na Índia pode ser um sacrificante. Por exemplo os Intocáveis (os que não podem ser tocados, porque quem os toca fica poluído) se ele quiser encomendar um sacrifício nem sempre encontrará para o seu sacrifício um Brâmane. Tirando algumas destas excepções, vamos dizer que qualquer homem pode realizar um sacrifício desde que arranje os meios materiais: pagar ao Brâmane os seus honorários, arranjar as condições materiais.


Mas existe um homem na Índia, um homem por excelência que ó o sacrificante, que é o Rei. O sacrificante que é o soberano, ele quer sacrificar não para si, mas para todos no terreno que ele governa, os seus súbditos. O sacrifício é uma maneira de o mundo ser viável.

"A filosofia upanisádica[6] postula – na medida mesmo que pretende transcendê-la – a existência do indivíduo particular, imerso no mundo das relações. É essa individualidade que procura dissolver o renunciante quando, deixando atrás de si a aldeia, os amigos e os parentes, se recolhe para meditar sobre a realidade última e sem formas" (Gomes da Silva 1990: 26). Raramente os Ocidentais lidam bem com esta estranheza. Inútil será acrescentar que o hinduísmo é caracterizado por uma forma própria de conceber o mundo e de romper com ele. "O sacrifício instaura um espaço culturalmente organizado, definido a partir do caos a que se opõe. Por isso mesmo, evocar o sacrifício é designar o universo anárquico em que ele se inscreve, mas que transcende. […] Pilar fundamental das concepções religiosas no período védico, o sacrifício deve ter contribuído para fixar o papel determinante do brâmane, o sacrificador por excelência. Ora, se o brâmane é o verdadeiro agente do sacrifício, o rei parece ser, desde muito cedo, o grande sacrificante (yajamana), o patrono supremo do sacrifício. […] Brâmane e soberano estabelecem uma forma de mediação entre Absoluto, a que aspiram os renunciantes (sannyâsin), e o universo de ralações sociais em que os homens se encontram inscritos" (Ibid.: 21-23).

A figura do renunciante, surge-nos como «objecto» de contraposição às teorias de Dumont, senão vejamos o que ele nos diz: "Existe […] a renúncia, de facto um estado social à margem da sociedade propriamente dita. […] O renunciante deixou o mundo para trás para se dedicar à sua própria liberação. […] Seu pensamento é o de um indivíduo. […] o renunciante não nega propriamente a religião do homem-no-mundo. [Encontramos] aquilo que abre a possibilidade de agregação: a disciplina do renunciante se acrescenta à religião do homem-do-mundo. À religião de grupo se superpõe uma religião individual, fundada numa escolha" (Dumont 1992: 324-326). Mas será que o que renunciante faz é uma escolha? Ou não será uma ruptura radical. No momento em que o homem se separa do seu grupo - acto individual - não é para reconhecer a sua individualidade, mas pelo contrário, para aboli-la, para se libertar, para atingir a mokasa. Todavia, nada se manifesta nesta construção que não tenha que ser condicionada e legitimada. A propósito desta questão, o professor Gomes da Silva, refere Madeleine Biardeau: esta autora confessa-se incapaz de aceitar construção de Dumont " […] tanto mais que a especulação indiana não faz a distinção que ele propõe entre «o homem particular», que permanece ao nível empírico, e o «indivíduo» humano, valorizado e detentor do universal. Somos nós que vemos um «indivíduo» aparecer no renunciante, mas do ponto de vista indiano, é todo o indivíduo que desaparece com a individualidade empírica" (Gomes da Silva 1994: 201-202, cf. Biardeau 1968; 38, n.º 1). O rito do sacrifício é precisamente tudo aquilo que o renunciante deve abandonar se quer escapar aos sucessivos renascimentos – o Karman.

Há sempre duas perspectivas em confronto: encontramos autores que falam da Índia de uma maneira espantosa[7] e outros que falam da Índia numa perspectiva cinzenta[8]. Duplicidade da percepção, a perspectiva do texto de Dumont é geralmente a mais forte, a perspectiva dominante, mas esta perspectiva apresenta vários problemas, tantas dificuldades, quando queremos olhar para a estrutura social através da perspectiva hierárquica.


Algumas notas conclusivas
Causam-me alguma apreensão, aos meus olhos ocidentalizados este palco de conflitos e lutas em que se movem os homens, observando e delimitando o seu campo de visão, afirmando-se seguros das suas posições. Classificar, hierarquizar, depende sempre do observador, depende de um conjunto de critérios que para além de não serem eternos sofrem alterações permanentes, pois tratam-se de domínios instáveis. Os antropólogos apercebem-se das dificuldades, que o contexto indiano nos diversos trabalhos etnográficos tem produzido. "A Índia apresenta-nos um exemplo clássico de complexidade e diversidade social" (Gomes da Silva 1994: 7). A Índia é o exemplo mais perfeito da ultrapassagem da unidade de opostos. O Ocidente procurou, mas foi incapaz de sintonizar o objecto de estudo, a civilização indiana é um extraordinário desafio à civilização Ocidental, um objecto de reflexão extraordinário. A sociedade indiana permite-nos ver que não podemos fazer antropologia ao sabor do senso comum Ocidental. Não encontramos no hinduísmo uma separação radical como queria fazer Dumont entre Brâmane e Intocável. Existe uma «linha» que os leva de um ao outro. São semelhantes e distintos ao mesmo tempo, há uma polaridade versus continuidade. Estamos perante elementos que se consubstanciam, há como que uma situação de equilíbrio onde a realidade faz esta ligação equilibrada entre semelhante e diferente.

No princípio do século antropólogos, como Louis Dumont, (um indianista Europeu) surge com uma perspectiva sobre a Índia que está longe de ser benéfica, dado que elegeu à boa maneira durkheimiana uma divisão radical, numa hierarquia rigorosa. "Para este autor, a ideologia hierárquica não se refere apenas a uma manifestação da morfologia social, mas inclui o domínio das ideias e dos valores" (ibid.: 8). A complexa estrutura da sociedade Indiana não nos permite «aceitar» os arranjos estruturais hierárquicos teorizados por Dumont. Ao longo do seu texto domo-nos conta de várias ambiguidades. A vulnerabilidade da sua tese é que entre A e B nunca existe uma adequação completa. Vimos o quanto esta posição se muniu de pressupostos, torneando, necessitando de transformar/adaptar os factos etnográficos à tese. Os aspectos políticos e religiosos são para Dumont isolados, mas vimos o quanto esta ideia é falaciosa, tudo na Índia está indissociável, nomeadamente o poder económico e o poder religioso chegando mesmo a não sabermos onde começa um e acaba o outro, aliás, eles encontra-se ligados entre si numa acepção difícil de discernir.

Segundo Dumont a hierarquia é um valor privilegiado pelas sociedades tradicionais, enquanto que a sociedade ocidental tende deliberadamente para a igualdade. Esta questão, esta distinção entre individualismo e holismo mergulha as suas raízes nas ideias de Durkheim em que a construção teórica caminha para a necessidade de demonstrar a especificidade da sociedade ocidental. O modo como Dumont reflecte sobre os actores sociais empíricos na Índia, os renunciantes, que aspiram à liberação (ao Moska), é nitidamente ocidental. Encontramos um acentuado desprezo pelo ponto de vista indiano em que a realidade é mais abrangente do que aquela que quer fazer crer.

A herança durkheimiana está presente na perspectiva dumontiana, vimos que para Dumont existe uma incompatibilidade entre castas de brâmanes e intocáveis, entre noções de «pureza» e «impureza» com as quais pretendeu sustentar a harmonia com esta perspectiva. Esta oposição levanta sérias questões, nega o individualismo à sociedade Indiana, ou seja, parece só reconhecer-se na ideologia igualitária da hierarquia. "Os brâmanes não constituem um grupo homogéneo em parte alguma da Índia. O termo aplica-se a uma classe, a um varna que inclui diferentes jâti. Na região de Karnataka, os brâmanes Marka são objecto de evitamento para numerosas castas entre as quais se contam castas de intocáveis. […] Mas duvidar da proeminência universal dos brâmanes ou da sua pureza é questionar simultaneamente a hierarquia tradicional. Os etnólogos que trabalham no subcontinente indiano reconhecem de um modo geral que brâmanes e intocáveis se situam, respectivamente, no topo e na base da estrutura social; mas todos hesitam quanto à possibilidade de definir, uma vez por todas, o estatuto dos grupos intermédios" (ibid.: 55).

Apesar do desajustamento com a realidade etnográfica, não podemos, todavia, deixar de não aceitar a contribuição de Louis Dumont como ponto de partida para a discussão dos inúmeros trabalhos sobre a Índia. «Lamentámos», no entanto, o seu assumir durkheimiano que predomina no seu texto, e que expressa um contraste dicotómico entre individualismo/holismo. O discurso de Dumont parece uma homilia insinuante, de recomendação, em que princípios evolucionistas apelam a um lugar privilegiado que seria a sociedade ocidental. Sabemos que a teoria sociológica de Durkheim tem por base a oposição radical entre solidariedade mecânica (sociedades tradicionais) e a solidariedade orgânica (a sociedade ocidental), vendo nelas, respectivamente, nas tradicionais, não mais que uma massa indiferenciada de semelhanças, enquanto na «moderna» sociedade ocidental, a dele, tinha o privilégio das diferenças. O texto de Dumont «bebe» desta perspectiva e à semelhança durkheimiana é um longo processo dos seus pressupostos em que o ponto de chegada, mais não é que a exaltação do homem ocidental. Ficámos abismados com esta postura. Não queremos ser sarcásticos, mas quando sabemos o quanto a sociedade Indiana tem de profissões diferenciadas. Como antropólogo vimo-lo aprisionado nas suas ideologias, pela intenção utópica da hierarquia e da dificuldade de ultrapassar os seus credos.


Bibliografia
BIARDEAU, Madeleine: L'Hindouisme – Anthropologie d'une Civilisation, Flammarion, Paris, 1972.
CLÉMENT, Catherine: Por amor da Índia, Edições ASA, Lisboa, 1ª edição, 1995.
DUMONT, Louis: Homo hierarchicus. O sistema das castas e suas implicações (trad. Carlos Alberto Fonseca), Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo 1992 [1966].
DURKEIM, Émile: "De Quelques Formes Primitives de Classification" in Journal Sociologique, Presses Universitaires de France, Paris, Vol. VI., 1969.
GOMES DA SILVA, José Carlos: A Identidade Roubada – Ensaios de Antropologia Social, Gradiva, Lisboa, 1ª edição, 1994.
-----------------------------------------: ORISSA – Antropologia e Literatura de Viagens, Lisboa, M.E. – I.I.C.T., 1990.
LÉVI-STRAUSS, Claude: O Pensamento Selvagem (trad. T. Pellegrini), Campinas, Brasil, Papirus Editora, 1989 [1962].
PEREZ, Rosa Maria: “Corpos Impuros – Mulheres e Intocáveis na Índia", in Corpo Presente – Treze reflexões antropológicas sobre o corpo, (org. Miguel Vale de Almeida), Celta Editora, Oeiras, 1996.
-------------------------: Reis e Intocáveis – Um Estudo do sistema de Castas no Noroeste da Índia, Celta Editora, Lisboa, 1994.


[1] Homo hierarchicus. O sistema das castas e suas implicações, Trad. Carlos Alberto Fonseca, Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo 1992 [1966].
[2] A citação de Rosa Maria Perez refere-se ao seu ensaio: Reis e Intocáveis – Um Estudo do sistema de Castas no Noroeste da Índia, Celta Editora, Lisboa, 1994.
[3] "Este nome, enquanto designação de casta, tem pois uma origem relativamente recente e constitui um eufemismo sociológico (construído a partir do verbo vanvu, "tecer") para esconder a extrema depreciação de dhed, hoje usado no Gujarate com o sentido de "sujo". Portanto o nome Vankar designa uma casta intocável de tecelões. (PEREZ, Rosa Maria: antropológicas Corpos Impuros - Mulheres e Intocáveis na Índia, in Corpo Presente - Treze reflexões sobre o corpo, (org. Miguel Vale de Almeida), Celta Editora, Oeiras, 1996, p. 49.
[4] Em 1938 Georges Dumézil elaborou pela primeira vez a teoria das três funções, na sociedade dos indo-europeus: sacerdotal, guerreira e produtora. Na exposição clássica da sua doutrina (1958), Dumézil afirmava que estas três funções distinguiam a sociedade indo-europeia de qualquer outra. Dumézil vê o mundo como um todo articulado e para o caso da Índia designou uma repartição em três classes (varna): Brahmana, Ksatriya e Vaisya. Esta repartição ilustra as funções da ideologia tripartida dos indo-europeus descrita por Dumézil. A cada função ou aspecto da função corresponde um momento particular do tempo histórico. Em 1968 (data da obra Mythe et Epopée), Dumézil, retomando o princípio de Durkheim, segundo o qual todo o mito constitui uma representação da realidade social, empenha-se em demonstrar que a maioria das sociedades indo-europeias ofereciam um certo número de representações colectivas comuns. O sistema trifuncional veicula um ideal e ao mesmo tempo pretende ser um meio de analisar, de interpretar as forças que asseguram o curso do mundo e a vida dos homens.
[5] Esta referência não terá se quisermos um cunho científico, uma vez que se trata de um romance, todavia a ênfase emocional aloja-se e coincide ou não nas descrições etnográficas. CLÉMENT, Catherine: Por amor da Índia, Edições ASA, Lisboa, 1ª edição, 1995, p.222.
[6] Esta palavra sugere-nos: uma filosofia bruscosádica, tendo a sua raiz no Upa, s.f. (ingl. Up). Salto brusco do cavalo; corcovo. Por ext. Exprime o acto de se levantar alguém com dificuldade …, daí a analogia (Upa+Sádico).
[7] M. Biardeau; Gomes da Silva; R. Perez.
[8] L. Dumont; G. Dumézil; C. Bouglé.