Antropologia Económica – Dádiva; Empréstimo; Escassez; Abundância

“(…) eu preciso dos sentidos para pensar, sobretudo dos olhos, fundo os meus pensamentos em materiais de que apenas nos podemos apropriar mediante a actividade dos sentidos, não produzo o objecto a partir do pensamento, mas, inversamente, o pensamento a partir do objecto (…)."
Ludwing Feuerbach




Figurando entre as Ciências Sociais, a Economia, estuda as leis da produção social e da distribuição dos bens materiais, nas diferentes fases do desenvolvimento da sociedade humana. Em regra partem do regime económico as transformações básicas que repercutem, tarde ou cedo, em toda a estrutura social.

A necessidade de produzir e reproduzir constantemente as condições de existência, de sobrevivência: a tecnologia e os instrumentos de domínio e utilização do mundo físico; o «meio artificial» criado pelo trabalho e pela técnica que se impõe ao meio natural, singulariza o carácter activo da adaptação humana. Toda a base material das relações humanas é criada e historicamente transformada sob o império da adaptação e da satisfação de necessidades, o que torna prioritários, neste plano, os critérios de utilidade e eficiência, permitindo que do regime económico partam as mais fortes impulsões às transformações sociais.


É através dos legados, das dádivas, de vários autores, dos seus esforços que procuramos ampliar os miasmas protagonizados pelo "viajante" que nós somos. Por isso dizemos que, nenhum avanço do pensamento seria possível, se não tivermos em conta a leitura dos seus textos que tiveram particulares sonoridades, tendo sempre em conta, como é óbvio, o contexto, e a época em que foram concebidos.



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Pela sua riqueza, e pela sua forma conceptual para pensar a economia informal, no quadro teórico (troca-dádiva), sabemos que não é por acaso que o texto de Marcel Mauss, o Ensaio Sobre a Dádiva, abriu portas para investigações futuras. Sabemos também que este legado tem servido para o prolongamento de leituras múltiplas que não se esgotam.

Texto fundamental, o Ensaio sobre a Dádiva, é uma obra de uma certa perplexidade, cujo objectivo principal é o de mostrar fenómenos de troca nas sociedades tradicionais, e ao mesmo tempo, explicitar as noções de troca/empréstimo e escassez/abundância, por referência ao exemplo etnográfico do Potlach e do Kula, conforme a monografia de Malinowski (1922)  nos Los Argonautas del Pacífico Occidental.

Depois da primeira Grande Guerra Mundial[1], os textos antropológicos adquirem uma imagem romantizada, Mauss, constata que o segredo da dádiva se perdeu no mundo chamado civilizado e que nós devemos reaprender a partir das sociedades arcaicas[2]. Encontrámos, assim, no Ensaio Sobre a Dádiva, uma análise comparativa do poder mágico contido na dádiva, que apela para uma retribuição, dando-nos ao mesmo tempo uma definição do sistema de trocas ao nível das palavras, da afectividade e dos objectos económicos.

Reflectindo sobre o texto de Iturra, no seu estudo sobre a comunidade rural de Vilatuxe na Galiza, accionando uma análise meticulosa da reciprocidade, ligada à esfera de sociabilidade, em que a força da reciprocidade remete para a existência de laços de dependência que unem os membros de uma comunidade, como nos refere Iturra (1988: 179-182), “(…) a necessidade de maximizar o potencial produtivo de cada um requer o estabelecimento de uma série de trocas recíprocas com os outros; ao mesmo tempo, as obrigações, que emergem destas trocas recíprocas, têm de ser manipuladas, de modo a que não inibam a maximização. [Mais:] A reciprocidade , na qual se baseiam as estratégias Vilatuxe, opera no interior de um contexto social. É uma forma de conduta desenvolvida entre pessoas que estabelecem laços materiais umas com as outras, na base de laços sociais pré-existentes. Este contexto social é constituído pelo pessoal da casa, pela família alargada e pela vizinhança".


Esta economia tem a sua raiz na dependência do Homem relativamente à natureza e aos seus semelhantes para garantia da sobrevivência. Também Mauss, considerado o fundador da economia substantivista[3], virá a dizer que não é possível estudar a economia sem ter em conta o seu pendor social. A troca para Mauss é o fundamento da vida social e a problemática do Ensaio Sobre a Dádiva, centra-se à volta das regras da troca.


Na análise do Kula e do Potlatch o que interessa a Mauss é saber o que há de comum nestas práticas, o seu objectivo não é fazer uma monografia, um estudo detalhado de um contexto específico, o enfoque é procurar à luz das sociedades primitivas, esclarecer melhor as sociedades modernas, daí não termos a riqueza técnica que encontramos nos Los Argonautas del Pacífico Occidental. A postura empírica de Malinowski é dar conta de todos os aspectos da cultura tribal, estudar a sua totalidade, em todas as “(…) dimensiones de la institución, tanto sociológicas como geográficas” (Malinowski 1975: 498). A abordagem funcionalista (na sua vertente britânica), é encontrar a lógica do funcionamento das sociedades, a tónica posta na noção de função é entendida por Malinowski num duplo sentido, ela é pensada em termos de contributo que permite a coesão do todo, e aqui à um retomar durkheimiano, noutro sentido, a função é pensada em termos de satisfação de necessidades biológicas (comer, dormir, defecar, fazer amor, etc.). Em Mauss, o seu interesse, a sua preocupação comporta uma espécie de subordinação dos materiais etnográficos (por ele analisados) à sua teoria que ganha corpo através desses mesmos materiais.


O Kula representa uma fórmula exacerbada de troca, para além da obrigação de dar e receber que é constante, o Kula representa o caso supremo da troca, da dádiva, quem retribui, retribui com mais valor. No Potlatch quem faz as trocas são os chefes, se estes chefes não tivessem a troca estariam a fazer a guerra, o que eles trocam será bens, são mulheres, são objectos. Os grupos presentes no Potlatch, dirá Mauss, estão associados ao estabelecimento de uma hierarquia, o “(…) chefe deve dar potlatch, para si mesmo, para o seu filho, o seu genro ou a sua filha, para os seus mortos (…) não pode provar essa fortuna senão gastando-a, distribuindo-a, humilhando os outros” (1989: 107), pode mesmo chegar a destruir os bens. O que nós temos em Mauss, no sistema de relações entre grupos, é tensão entre os vários grupos.


A troca, a reciprocidade, torna possível a vida social, é o fundamento por excelência da vida social. O Potlatch e o Kula é a troca levada aos extremos, no entanto, a questão que Mauss coloca é o porquê desta troca tripla, dar, receber e retribuir, ou seja, qual é a regra, porque é que nas sociedades arcaicas o presente recebido deve ser obrigatoriamente retribuído? Qual é a força que existe na coisa, no objecto que é dado que faz com que a pessoa que recebeu esse objecto deva restituir? Aqui Mauss vai basear-se num texto Maori recolhido por Elsdon Best (1909) e na teoria do hau. Esta teoria do hau implica que as coisas tenham uma alma, um espírito, uma essência e quando são dadas elas transportam propriedades das pessoas que as deu. “(…) aceitar qualquer coisa de alguém é aceitar qualquer coisa da sua essência espiritual, da sua alma” (Mauss 1989: 68). Temos assim uma noção de reciprocidade entre coisas e pessoas. A questão fundamental de Mauss é esta passagem, ou seja, como é que passamos para a separação entre coisas e pessoas, o que é que isto implica?


Através do exemplo etnográfico do Kula e do Potlach, Mauss faz uma análise dos fenómenos de troca, que apesar da sua diversidade são pensados como uma categoria única. Partindo da centralidade e da especificidade da troca nas sociedades arcaicas, Mauss, no Ensaio Sobre a Dádiva, salienta e constata que as relações que a sociedade tobriandesa mantém como os seus vizinhos da ponta oriental da Nova Guiné e dos arquipélagos das redondezas são-no por intermédio do Kula. Consistindo a troca de um carácter inter-tribal bastante amplo, sendo praticado por comunidades localizadas no círculo de ilhas que formam um circuito fechado.


Este movimento circular, consiste em trocas efectuadas em excursões de uma tribo às ilhas de outras tribos, com a linguagem de dar um presente que é oferecido e que deve ser retribuído.
Aos objectos que integram este circuito são atribuídos dois tipos de valores: o valor mágico/místico, que retira parte da sua eficácia da essência dos possuidores, e o valor intrínseco à sua qualidade de bens escassos. Logo, os bens para possuírem uma carga mágica/religiosa/simbólica forte e cuja finalidade é a de circularem, não devem ser possuídos por muito tempo, por um grupo ou por um chefe. Cada um dos grupos recebe os artigos, conservando-os pouco tempo, para de seguida os oferecer a outro grupo, do qual recebe em troca um outro artigo. O Kula, consiste pois, em dar da parte de uns e em receber da parte de outros, sendo que a posse e a doação imprimia poder e prestígio social. Receber era uma honra, oferecer um dever. Com isto procura-se mostrar liberdade, autonomia e grandeza, no entanto, estão presentes mecanismos de obrigatoriedade.


Estas trocas apresentam aspectos de comércio sob a forma ritualizada, uma vez que os objectos trocados correspondem a determinados valores e o seu preço cresce e decresce com a quantidade e número de transações em que foram utilizados. O objecto trocado não é inerte, mas reconvertido, o que obriga a voltar ao seu lugar de origem e neste regresso é recebido com valor acrescentado, ou seja, com lucro. Mas o Kula não tem por finalidade simplesmente a troca de dois tipos de objectos determinados. Através de um complexo mecanismo, o conjunto da estrutura social, influencia todos os outros, ou seja, num decurso simbólico e real, exprimem-se todas as suas componentes, económicas, políticas, religiosas e mágicas. Ou seja, o que nós encontramos em Mauss é uma tentativa de interligar várias dimensões, mostrando que todas elas têm uma certa autonomia, o Kula não é para Mauss apenas um fenómeno económico, e aqui encontramos alguma similitude com Malinowski quando diz que o princípio do Kula não é uma transação comercial, "(…) las transacciones económicas expressan una actitud reverencial, casi de adoración, hacia los biens preciosos que se intercambian o manejan; si implican un nuevo tipo de propiedad tenporal; si desarrolla en una organización social vasta y compleja y con sistemas de empresas económicas por medio del cuall se lleva a cabo" (Malinowski 1975: 502). Ou seja, o Kula é simultaneamente um fenómeno jurídico, económico, social, religioso, estético.


Iturra, no seu estudo sobre Racionalidade tradicional, racionalidade individual: reciprocidade e optimização nas estratégias produtivas duma paróquia rural galega, também nos dá conta da importância das várias componentes que formam a explicação antropológica dos fenómenos sociais. Analisando para além do económico, os aspectos simbólicos, religiosos e mágicos, diz-nos que as “(…) as relações pessoais – tradicionais, hierárquicas ou recíprocas e comunais – combinam-se com as pessoais, partilhantes, mediadas pelo lucro e pela optimização (…) o agir que sintetiza as estratégias camponesas revela o embebimento entre as formas ligadas à reciprocidade-tradição e as ligadas à optimização – lucro individual “ (Iturra 1984: 166).


Vimos que Mauss, considerava o Potlach e o Kula, uma forma primitiva de trocas, porém, não lhes atribuía somente, nem essencialmente, um carácter económico, ou seja, para Mauss, estávamos diante do chamado "facto social total", descrevendo-o como um fenómeno de repercussões a nível económico, religioso, jurídico e moral. Portanto, a procura e a oferta são a base da operação de troca. Os valores trocados assumem um carácter místico e marcam posição social relativamente às famílias. Os conceitos de valor e essencialmente de troca, são os pressupostos de toda a actividade económica. A oferta determina retribuição, sob pena de o grupo que a recebe perder prestígio social e por em risco a sua reputação.

Esta troca de presentes produz abundância[4], sendo que esta prodigalidade entre chefes era motivo de grande competição[5]. Para além da população se abastecer a si própria, também engrandeceriam o património do chefe, para que ele fosse generoso quando recebesse outros chefes. É esta dinâmica que determina os fenómenos do lucro. A maior ou menor necessidade de procura vai equilibrar-se com o acréscimo de preço por parte de quem oferece, no equilíbrio desta relação (oferta/procura), centra-se a lei fundamental de todo o sistema económico, adquirindo maior valor os bens essenciais ou escassos - quem os possui não os coloca a todos no mercado, tendo em vista a sua maior valorização. Ou seja, encontrámos bem presente, no funcionamento destes sistemas económicos, a maximização.


Mas outra componente nos apraz aqui mencionar, com um carácter, se quisermos, muito humanista: no decorrer da cerimónia do Pottlach, dança-se, canta-se e discursa-se, sendo que, como diz Godelier (1973: 67), "(…) a função latente do Potlach consistia em redistribuir os meios de subsistência em excesso num grupo pelos grupos a quem faltavam de maneira crítica". Segundo Mauss (1988: 56), nestas economias que precederam as nossas, as ocidentais, as simples trocas de bens, de produtos, processavam-se "(…) entre colectividades que se obrigam mutuamente trocam e contratam; as pessoas presentes ao contrato são pessoas morais: clãs, tribos, famílias, que se atacam e se opõem, quer em grupos desafiando-se (…) quer por intermédio dos chefes". Os grupos, além da troca de coisas economicamente úteis, também "(…) trocam amabilidades, ritos, danças, festas, feiras cujo mercado não é senão um dos seus momentos em que a circulação das riquezas mais não é senão um dos termos de um contrato mais permanente" (Mauss 1988: 65). É a todo este conjunto que Mauss designou por um sistemas de prestações totais. Nestes fenómenos sociais totais manifestam-se todas as espécies de instituições, sejam elas religiosas, políticas, jurídicas, morais, económicas, pressupondo modos particulares de produção e de consumo, de prestação e distribuição.


Assim sendo, existe a prestação total, porque todo o clã possui, e o que faz é por intermédio do seu chefe. Ou seja, são trocas múltiplas em que se estabelece uma hierarquia com base no valor da troca. Estas trocas tomam uma forma de usura, uma vez que os bens têm de ser retribuídos com vantagem para o grupo que ofereceu, além da parte dos objectos voltarem à sua origem. Este aspecto determina o espirito de uma certa rivalidade violenta, que também está presente nas nossas sociedades modernas, nas exibições sumptuárias que são feitas com o intuito de angariar lucros e aumentar o prestígio social.


Com efeito interessa reflectir nas palavras de Godelier (1973: 67): "É perfeitamente claro que as competições de Potlach e as suas práticas célebres de destruição ostentatória não eram somente a expressão de uma «cultura» original que colocava muito alto os valores e os comportamentos de honra e de prestígio. São também a expressão pública de uma economia bem administrada e capaz de produzir excedentes abundantes e regulares e ao mesmo tempo (…) para obrigar, pela redistribuição cerimonial destes excedentes, os grupos vizinhos (…) a reconhecer publicamente (…) a manutenção dos direitos dos grupos sobre o seu território. Os actos do Potlach são «factos sociais totais», como dizia Mauss".


Este sistema de prestações sociais, constitui um dos mais antigos sistemas de economia de direito que conhecemos. Tanto os objectos utilizados durante o Potlach como os do Kula, não são dissociados daqueles que dão, representando uma relação intersubjectiva de homem para homem, relacionados por formas recíprocas de comportamento. E por falarmos de formas recíprocas de comportamento, diz-se que " (…) na Antropologia que a dádiva é dar e receber. E é bem dito. Nessa troca há reciprocidade, (…) a reciprocidade (…) é a igualdade do que se dá para depois ser recebido” (Iturra 2000: 83). Iturra, no seu estudo sobre as crianças Pencahue, nos mostra como é que as crianças utilizavam a dádiva, dádiva essa generosa. Foi na interacção adulto-criança que os "mistérios" foram ultrapassados e a moeda de troca do saber foi utilizada, afinal as crianças tinham descoberto uma outra dádiva, " (…) essa de perguntar para saber" (Idem 87). Encantados com " (…) este exótico estrangeiro [que] transferia intimidade, vida pessoal. [Ao contrário da sua professora, de quem nada sabiam, e que também ela (a professora)] (…) não sabia que o exotismo nasceu do hábito desse estrangeiro entender sem palavras o que as crianças sabiam" (Idem 84).



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Voltando ao quadro etnográfico do Kula e do Potlach, no quadro de uma racionalidade contratual estabelecida, em que todos os bens são convertidos no seu valor de uso sumptuário, o seu significado é flutuante. Lembrando que os estatutos de doador e recebedor estabelecem entre ambos uma relação de dependência reversível, isto é, o doador dá, e o recebedor quando retribui dá a dobrar, a troca apresentasse-nos como uma forma de empréstimo ligada à divisão social do trabalho[6].

Nestes termos estamos perante situações de empréstimo, na medida em que os objectos são signos com vários significados das representações sociais. A saber, a recusa na participação do circuito da troca ou na demonstração agnóstica de abundância é uma forma de não existência social. A impossibilidade de separar prestação, crédito e honra, permite-nos constatar que aquele que recebe deve reconhecer que se encontra num estatuto de dependência que unem os membros da comunidade. Estamos perante um sistema económico que privilegia as relações directas entre os homens, sobre a troca de objectos. Consequentemente a racionalidade não é outra coisa que a procura do lucro, investir e ficar com os bens dos outros. Para Mauss (1988: 53), " (…) o carácter voluntário (…) aparentemente livre e gratuito, e todavia forçado e interessado por essas prestações (…) revestiram quase sempre a forma do presente, da prenda oferecida generosamente mesmo quando, nesse gesto que acompanha a transação, não há senão ficção, formalismo e mentira social, e quando há, no fundo, obrigação e interesse económico".

A todos os processos de produção, quer sociais quer económicos, está subjacente o sentido da racionalidade, que através das várias formas de maximização, de recursos, transformam as relações sociais pessoais em mercadoria. A ordem social, não pode ser separada da vertente económica, uma vez que esta está veiculada à produção e reprodução dos bens, dos homens, das ideias. "Qualquer sociedade constrói um sistema de relações sociais através do qual se reproduz. Este sistema é histórico, existe no espaço e desenvolve-se no tempo, muda e torna a ser o mesmo" (Iturra 1991: 13).


Existe sempre um processo racional da organização de estratégias para a produção que varia consoante os contextos históricos. Mas porquê o carácter obrigatório da dádiva? Porquê a importância da reciprocidade? Quando se fala de mercado, fala-se de racionalidade, até porque o que está subjacente a todas as relações de dádiva e reciprocidade é a racionalidade. Como diz Iturra no seu estudo em Vilatuxe (1988: 166): "Parentesco, rito e lucro parecem constituir um processo estruturante de racionalidade de épocas históricas diversas, acumuladas num mesmo tempo".


A racionalização trás consigo, no entanto, um dado invariável que é o facto de todas as relações sociais, inclusive as de parentesco, serem determinadas pela classificação do trabalho. Não quer isto dizer que os sentimentos não existam, o que acontece é que as emoções são exploradas como estratégias para a produção e conduzidas para este fim. E aquilo que nos parece ser algo de natural é o produto de um cálculo racional.


As culturas não reagem de forma uníssona, i.e. as suas necessidades, os seus conhecimentos, a sua religião não actuam da mesma foram e na mesma direcção em todo o lado, cada cultura cria os seus próprios ditames, porém, o ser humano não cessa de interagir com os outros humanos, em consequência a racionalidade é uma forma de gerir as pessoas e as coisas. “ (…) o real muda conforme a pessoa que se é, seu contexto, seu meio social, seu trabalho e a sua classe de pertença. (…) é que se vê diante dos olhos. (…) o real se configura a partir de dois conjuntos de elementos: os recursos que servem de meio para atingir os nossos objectivos; e o entendimento da memória social" (Iturra 1997: 33). Entendendo que " (…) o real acaba por ser o entendimento das obrigações e direitos que se têm" (Idem 62).

Terminava este trabalho dizendo que: a economia, tem criado uma série de teorias, em que é capaz de explicar de um modo geral, todo o procedimento económico humano. Por outro lado, a Antropologia, documentando numerosos sistemas existentes na Terra, tem uma perspectiva mais ampla das organizações económicas.


Bibliografia
DALTON, George (1963) – “Economic Anthropology: Readings”, in Theory and Analysis. pp. 143-167.
FEUERBACH, Ludwing (1994) – A Essência do Cristianismo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
GODELIER, Maurice (1973) – Horizontes da Antropologia. Lisboa: Edições 70.
ITURRA, Raul (1984) – Racionalidade tradicional, racionalidade individual – reciprocidade e optimização nas estratégias produtivas duma paróquia rural galega. Santiago da Compostela – Museo de Pobo Galego, 1984: Actas do II Colóquio de Antropoxía, Santiago de Compostela, Xuno 1984.
------------------- (1987) - "Amas-me como eu te amo? Os ciclos de vida", in O Imaginário das Crianças -Os Silêncios da Cultura Oral. Lisboa: Fim de Século, pp. 51-75.
------------------ (1988) - Antropologia Económica de la Galícia Rural. Galicia: Conselleria de Presidencia e Administracion Publica, pp. 53-63.
------------------ (1991) - A religião como teoria da reprodução social. Lisboa: Escher.
------------------ (2000) - "Dádivas da Puberdade", in O Saber Sexual das Crianças. Desejo-te porque te amo. Porto: Edições Afrontamento, pp. 75-96.
MAUSS, Marcel, (1989) - Ensaio Sobre a Dádiva. Lisboa: Edições 70.
MALINOWSKI, Bronislaw, (1975) – Los Argonautas del Pacífico Occidental. Barcelona: Ediciones Península.
RICARDO, David (1980 [1817]) – Os Princípios de Economia Política e de Tributação. Lisboa: Fundação Caloute Gulbenkian.
SMITH, Adam, (1999 [1776]) – A Riqueza das Nações. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.


[1] Quando Mauss publica o Ensaio Sobre a Dádiva (1923/24) está-se a sair da 1ª Grande Guerra, ora a ênfase posta na troca, como modo de evitar a guerra, tem essa experiência de Mauss de que as sociedades europeias em vez de trocarem optaram pela guerra. A reflexão dele não é meramente científica é também uma reflexão moral. As sociedades europeias têm alguma coisa a aprender com as sociedades primitivas, uma lição que as sociedades primitivas podem dar aos ocidentais, transparece no seu texto alguma nostalgia, algo que as sociedades ocidentais perderam.
[2] A expressão que Mauss utiliza no seu Ensaio Sobre a Dádiva quando fala em sociedades arcaicas, leva-nos a dizer que o autor adopta uma postura evolucionista, no entanto isto apenas é fruto de algo superficial, visto que o objectivo era dar outra imagem da sociedade primitiva, ou seja, a grande preocupação de Mauss nas sociedades primitivas (Kula e no Potlatch), é de que elas não têm uma economia natural, de subsistência, (alvo de grande crítica) o que ele tenta mostrar é o carácter extremamente complexo dessas economias.
[3] Segundo Dalton (1963: 149): “In the substantive sense, econimic refers to the provision of material goods wich satisfy biological and wants”.
[4] Ricardo de uma maneira clara destinguiu a riqueza em: coisas necessárias; úteis ou agradáveis, ou seja, o valor das coisas não depende da abundância, mas da dificuldade de produção, para o provar, diz Ricardo, basta examinar as variações dos preços dos objectos (Ricardo 1980[1817]: 247). Ou seja, para Ricardo, "(…) os bens que possuem utilidade vão buscar o valor de troca a duas fontes: à escassez e à quantidade de trabalho necessária para a sua obtenção" (Ricardo 1980[1817]: 32).
[5] O Potlach está relacionado com grupos rivais entre si, nos quais actuam grupos de pressão muito fortes.
[6] Vimos com Adam Smith, que o princípio que a Divisão do Trabalho é a fonte de enriquecimento das nações, desenvolvendo de novo a ideia de que a própria divisão do trabalho se explica pela propensão dos indivíduos a trocar. Pois, como sabemos, vai caber a Smith colocar a distinção essencial de valor de uso e do valor de troca (1999: 35), ou seja, há bens para usar, os pobres e os valores de troca para os ricos. Convém sublinhar que o autor considerava estas duas espécies de valores como valores sociais. Em seu entender, o valor de uso é a utilidade social da mercadoria. A apropriação, enquanto processo, começa quando uma sociedade atinge a possibilidade tecnológica de produzir um excedente e esta é a primeira divisão social. Temos de um lado os que se apropriam, do outro, os que não o fazem. E o que é que queremos dizer com isto? Queremos dizer que o objectivo da produção mudou de uso para troca. Tal como Smith nos diz (1999: 93): "A divisão do trabalho, de que deriva tantas vantagens, não procede originariamente da sabedoria humana, na sua tentativa de prever e procurar atingir a opulência geral que ela ocasiona. É antes a consequência necessária (…) de uma certa propensão para cambiar, permutar ou trocar uma coisa por outra". Ou seja, a inicial divisão do trabalho tinha começado por encorajar o comércio. Ou melhor, a própria existência de um mercado encorajava uma nova divisão de trabalho e conduzia a sua produtividade grandemente aumentada. Tinha sido posto em movimento um processo auto-ampliador, não seria assim com as sociedades estudadas por Mauss?

1 comentário:

Dri disse...

Gostaria de saber se apesar das instituiçoes estudadas por Mauss serem factos sociais totais, se se podem considerar fundamentalmente economicos, fundamentalmente politcos ou tal é irrelevante?