Semiologia e Linguística - A Problematização Conceptual em Saussure, Jakobson e Lévi-Strauss

«A língua é um vestido coberto de remendos feitos com o seu próprio tecido.»
Ferdinand de Saussure

«Todo o enunciado se justifica pelo efeito de sentido produzido. Por outro lado, toda a significação é essencialmente contextual, e está ligada à intenção do locutor e às condições de comunicação, e portanto da fala.»
Marina Yaguello

«A palavra é como que uma casa a que tivessem várias vezes mudado a arrumação interior e a utilização.»
Ferdinand de Saussure

«Não há sociedade sem linguagem, tal como não há sociedade sem comunicação.»
Julia Kristeva


Prólogo
"A linguagem ocupa, entre os instrumentos culturais do homem um lugar à parte. (…) a linguagem responde a uma necessidade fundamental da espécie humana, que é a necessidade de comunicar; mas esta necessidade, contrariamente às de comer, respirar, dormir, fazer amor, etc., não se manifesta «naturalmente». (…) A linguagem acciona capacidades especificamente humanas, as capacidades para a simbolização e a abstracção: o homem é capaz de evocar não apenas o que é palpável e está presente mas também o que está longe, no tempo ou no espaço, o que é abstracto ou mesmo imaginário. «No princípio era o Verbo», e não há pensamento humano sem palavras" (Yaguello 1997: 15-16).


É preciso reportarmo-nos a Ferdinand Saussure para assistir à renovação no estudo das línguas. É nesta época que se abandona a perspectiva linguística da história, que consistia principalmente numa genética das línguas, para vir a ser, o estudo da língua, tomada como «sistema», e como método de trabalho, como background na apresentação do modelo estruturalista. A reflexão de Lévi-Strauss, encontramo-la «apoiada» no modelo linguístico, que lhe serviu de «trampolim» à aplicação dos fenómenos sociais. O projecto estruturalista é isolar, retalhar os níveis mais significativos dos fenómenos. O estudo da linguística oferecia a Lévi-Strauss a analogia que ele «precisava» para o estudo dos sistemas de parentesco.


“As novas perspectivas abertas pela teoria da comunicação resultam, precisamente, dos métodos originais que foi preciso elaborar para tratar dos objectos – os signos – que se podem doravante submeter a uma análise rigorosa (…).” (Lévi-Strauss 1989: 359). Lévi-Strauss, quis apreender «os jogos de comunicação» numa perspectiva estruturalista, tanto no plano da natureza como no plano da cultura, ou seja, pretende descobrir as regras do «jogo» na vida social sem ser no contacto directo, na observação directa do contexto em estudo. Em suma, Lévi-Strauss procura encontrar as regras universais do espírito. Assim, o modelo estruturalista herdado da linguística provocou no germe das ciências uma revolução que se estendeu até à consequente teorização.


DESENVOLVIMENTO DA TEMÁTICA

- O fundador da linguística europeia
A tradição da semiótica europeia contemporânea assenta na obra de Saussure, particularmente no Curso de Linguística Geral publicado pela primeira vez em 1916, Ferdinand Saussure postulava a existência de uma Ciência Geral dos Signos, ou Semiologia, de que a linguística seria apenas uma parte.


Saussure teve o particular mérito de definir pela primeira vez, conceitos que se tornaram chave, nomeadamente a distinção entre língua e fala, noção de língua como sistema entre outros. O seu trabalho fundador da Linguística europeia, abrirá caminho a diversos ramos de investigação semiótica. A distinção linguística entre língua e fala, vai ser fundamental para todo o movimento estruturalista.


Um dos contributos essenciais de Saussure para a linguística consistiu na fixação da língua como sistema semiológico. A partir da já célebre esquematização do sistema de comunicação entre emissor e receptor, Saussure separa os elementos psíquicos dos elementos físicos e fisiológicos. Para ele a linguística só trata dos elementos psíquicos na medida em que deixa de lado o acto individual da fala e se centra no facto social, isto é, no facto de que “todos os indivíduos (…) reproduzirão – não exacta, mas aproximadamente – os mesmos signos unidos aos mesmos conceitos” (Saussure 1999: 40).

Para Saussure a língua é inconfundível com a linguagem, ou seja, é uma parte essencial da linguagem, um produto social desta faculdade, literalmente alheia ao carácter fónico do signo. Afastando-se das regras da gramática, Saussure partiu de uma natureza multiforme e heteróclita, da linguagem para elaborar a dicotomia língua/fala. Demarcando a língua da fala, Saussure concebe a língua como um sistema de regras para a produção de frases, concebendo a língua com um sistema, com regras definidas, competindo à linguística apurá-las. A língua é o elemento social e essencial da linguagem, "a língua é uma instituição social (…) A língua é um sistema de sinais para exprimir ideias (…)" (Ibid.: 43). A língua é um todo em si e compete-lhe servir de princípio de classificação há linguagem. Por outro lado, diz-nos Saussure, a fala, é o individual e acidental, onde se torna difícil apurar regras, ou descortinar um sistema. A fala seria assim relegada para estudos empíricos de cariz psicológico.

A língua enquanto delimitada no conjunto dos factos da linguagem é classificável como facto humano, enquanto que a fala é considerada um acto individual da vontade e da inteligência. Diz-nos ainda Saussure que “podemos comparar a língua a uma sinfonia, cuja realidade é independente da forma como a executam; os erros que possam cometer os músicos que a tocam de modo nenhum comprometem essa realidade” (Ibid.: 47). Ou seja, a realidade é independente da forma como é estudada, esta questão prende-se com as noções de forma e conteúdo. A língua é estabelecida através de um modelo binário, ela é forma e não conteúdo, "a língua é uma forma e não uma substância, (Ibid.: 206), este princípio é basilar para Saussure.

O signo linguístico une não uma coisa e um nome, mas um conceito a uma imagem acústica. A imagem acústica não é o som material, puramente físico, mas a marca psíquica desse som, a sua representação é fornecida pelo testemunho dos sentidos; é sensorial. Este termo «imagem acústica» parecerá talvez limitado em demasia, atendendo a que, ao lado da representação dos sons de uma palavra há também a da sua articulação, a imagem muscular do acto fónico. Mas para F. Saussure a língua é essencialmente um depósito, um sistema vindo do exterior. A imagem acústica é, por excelência, a representação natural da palavra, como facto virtual da língua, distinto de qualquer realidade ao nível da fala. O aspecto motor pode ser subentendido ou simplesmente reduzido a um estado de subordinação perante a imagem acústica. "Não podemos esquecer [diz-nos Saussure] uma faculdade de associação e de coordenação que se manifesta a partir do momento em que deixamos de lidar com signos isolados; é esta a faculdade que desempenha o papel mais importante na organização da língua enquanto sistema" (Ibid.: 39).

Partindo do sistema de comunicação humana para definir a língua, em que o signo linguístico é um signo ao qual subjaz a intenção de comunicar, a semiologia preconizada por Saussure é uma semiologia da comunicação. “A língua não é uma função do sujeito, é o produto que o indivíduo regista passivamente; ela nunca supõe premeditação (…). A fala é, pelo contrário, um acto individual da vontade e da inteligência (…)” (Ibid.: 41). Ou seja, na língua, o indivíduo por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la. "Em qualquer época, e por muito que recuemos, a língua aparece como uma herança duma geração precedente. [No entanto] as modificações da língua não estão ligadas à sucessão das gerações, as quais, em vez de se sobreporem umas às outras como as gavetas duma cómoda, misturam-se e interpenetram-se e contêm simultaneamente indivíduos de todas as idades" (Saussure 1999: 130-131).


O apuramento que Saussure faz da língua enquanto sistema de signos com singularidade e unidade próprias é extremamente importante, enquanto sistema sígnico as suas características essenciais estendem-se a todos os outros sistemas semiológicos.

- Contra a visão simplista e vulgar da língua

Encontramos no pensamento saussureano aspectos que vão contra o senso comum, contra a visão simplista e vulgar da língua. Essa concepção da língua “supõe que as ideias são anteriores às palavras, (…) não nos diz se o nome é de natureza vocal ou psíquica, (…) deixa supor que o laço que une um nome a uma coisa é uma operação simples” (Saussure 1999: 121). A concepção de Saussure é radicalmente diferente: "O signo linguístico une não uma coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem acústica. Signo linguístico é precisamente uma entidade psíquica de duas faces, composto pelo conceito e pela imagem acústica, Saussure propõe (1999: 124) “manter a palavra signo para designar o total e substituir conceito e imagem acústica respectivamente por significado e significante”, estas noções têm o privilégio de marcar a separação entre si, o que os distingue do total de que fazem parte.

Saussure, interessou-se por uma nova forma de abordar a linguística, uma forma onde os fenómenos se apresentam aos pares, sendo através deste princípio dicotómico e de oposição que defende a possibilidade de estudar a linguística. O funcionamento da língua, decorre assim, da integração desta, numa rede constituída por diferenças. Diferenças essas, que se constituem sem termos positivos, ignorando Saussure o estabelecimento de distinções entre a dupla contraste/oposição, que considera serem equivalentes ou semelhantes a substituição e combinação. Neste aspecto, Saussure, limita-se a indicar-nos que não deveremos confundir diferença com oposição, deveremos, no entanto, atender a que quando encontramos uma aproximação completa de signos, isto é, significado e significante, essa diferença se extingue, dando lugar à oposição.


- Arbitrariedade do signo/linearidade do significante
As características primordiais do signo são por um lado a arbitrariedade do signo, ou seja, o elo de ligação entre o significante e o significado. A ideia de sincronia, estabelece uma espécie de equilíbrio de termos, apreensivos por uma colectividade e fazendo parte de um sistema formado por termos que poderiam ter outro significado, se não fossem o que são dentro daquele sistema, leva-nos então Saussure a concluir que o signo linguístico se apresenta como arbitrário em que o vínculo “ (…) que une o significante ao significado é arbitrário, ou melhor, uma vez que entendemos por signo o total resultante da associação de um signo a um significado: o signo linguístico é arbitrário” (Saussure 1999: 124). Por outro lado, a segunda característica do signo linguístico é designada pela linearidade do significante, este é de natureza auditiva e desenvolve-se no tempo e ao tempo vai filtrar as suas características.

No que diz respeito à arbitrariedade do signo, a semiologia tem precisamente como principal objecto de estudo, o conjunto de sistemas baseados na arbitrariedade dos signos, “os sinais puramente arbitrários realizam melhor do que os outros o ideal do processo semiológico; é por isso que a língua, o mais complexo e o mais difundido dos sistemas de expressão, é também o mais característico de todos; neste sentido, a linguística pode tornar-se o padrão geral de toda a semiologia, ainda que a língua seja apenas um sistema particular” (Ibid.: 125). O símbolo pode designar o signo linguístico ou aquilo a que chamamos significante, mas nestes termos não é totalmente arbitrário, o signo é na verdadeira acepção da palavra imotivado, arbitrário em relação ao significado. Em Saussure, a afirmação de que tudo é negativo na língua, só é legítima, quando aplicada ao significado ou ao significante tomados isoladamente, ou seja, desde que se considere o signo na sua totalidade estamos em presença de algo positivo.

São os “ (…) factores históricos (…) que explicam porque é que o signo é imutável, isto é, porque é que resiste a qualquer substituição arbitrária” (Ibid.: 130). Por sua vez o signo altera-se porque permanece, o princípio da alteração assenta no princípio da continuidade, esta alteração do signo no tempo, toma diversas formas: “A continuidade do signo no tempo, ligada à alteração no tempo, é um princípio de semiologia geral” (Ibid.: 137). Em Saussure, a linguística, surge-nos, essencialmente relacionada com duas dimensões fundamentais e separadas, que apesar disso, não são separáveis. São estas duas dimensões, a dimensão individual e a dimensão social, constatáveis pelo som e pelo sentido.

Para Saussure nada se impõe na relação significado/significante, defendendo que a língua humana é provavelmente o único sistema semiológico não condicionado pela base material em que assenta, ou seja, a língua é neste sentido, totalmente independente de constrangimentos materiais. A grande ideia de Saussure é esta: a de que o signo tem uma natureza psíquica, não material, aplicando-se a duas dimensões da unidade da língua: significado/significante. Saussure vê a língua numa perspectiva sistémica. O significado é diferente da coisa, mas o mesmo acontece no domínio do significado, o significado não é a coisa em si – é a ideia. Tanto o significante como o significado são identidades que não se confundem com a materialidade, referem-se a ideias e não a objectos. A língua para Saussure é como uma folha de papel em que o " (…) pensamento é uma das faces e o som a outra; não podemos cortar uma sem cortar a outra; também na língua não poderíamos separar o som do pensamento, a não ser por meio de uma abstracção (…) esta combinação produz uma forma, não uma substância" (Saussure 1999: 192). Significado e significante, ambos, são componentes psíquicos. Sendo a língua um " (…) sistema em que todos os estes termos são solidários " (…) o valor de um resulta da presença simultânea dos outros (…)" Ibid.: 194). A língua não é uma identidade que vale por si própria, cada língua não é um reflexo, um espelho, do mundo tal como a realidade é lá fora. Não há nenhuma relação social entre signo e a materialidade a que ele se refere. O signo é uma identidade insolúvel.


- Sincronia/diacronia versus simultaneidades/sucessividades
É bem notório na obra de Saussure a necessidade interior de separar a linguística em duas partes, onde cada uma possa destacar o seu próprio princípio, um significante e um significado. A distinção é preciosa para linguística, uma vez que a língua é um sistema de puros valores em que nada de exterior determina o estado momentâneo dos seus termos. Deste modo, são assim marcados por Saussure dois eixos sobre os quais se encontram os factos de que se ocupam. Temos por um lado o eixo das simultaneidades, respeitante às relações entre fenómenos coexistentes, excluída qualquer intervenção do tempo, por outro lado temos o eixo das sucessividades sobre o qual só podemos considerar um fenómeno de cada vez, mas onde estão situados os factos do primeiro eixo com as suas alterações. Destas duas ordens de fenómenos, relativos ao mesmo objecto, e para melhor marcar esta oposição podemos ainda falar de linguística sincrónica e diacrónica. Um facto sincrónico é sempre significativo, faz apelo a dois termos simultâneos.

No postulado saussuriano, "a língua é um sistema em que todas as partes podem e devem ser consideradas na sua solidariedade sincrónica" (Saussure 1999: 152). E porquê? Segundo o autor "a linguística sincrónica ocupar-se-á das relações lógicas e psicológicas entre os termos coexistentes e que formam sistema, tais como são percebidas pela consciência colectiva [já a] diacronia estudará, pelo contrário, as relações entre termos sucessivos, não percebidos por uma mesma consciência colectiva e que se substituem uns aos outros sem formar sistema entre si" (Ibid.: 171).

A língua funciona como um determinado sistema, num dado momento. Poderemos então concluir que a língua está “parada” no tempo? Segundo, Saussure, a língua está em constante mutação sendo mesmo produto da evolução histórica e, é precisamente neste ponto que surge a importância do estudo sincrónico da linguística. Encontramos a língua em constante evolução, mas poderemos, apesar de tudo, situarmo-nos num dado momento em que esta se encontra, permitindo sistematizar as regras de funcionamento válidas para esse determinado momento.


Vimos que Saussure defende nada se impor à relação entre significado e significante, considerando que a língua humana é provavelmente o único sistema semiológico não condicionado pela base material em que assenta, ou seja, a língua é neste sentido totalmente independente de constrangimentos materiais. A esta noção de sincronia, opõe a noção de diacronia, tratando em suma da oposição entre a noção de sistema e a noção de história, tendo por um lado, a noção de sistema não necessário e por outro a noção de necessidade não sistémica. É através desta articulação, que julga darem-se todas as evoluções linguísticas. Considera, em suma, que são as línguas que constituem a realidade e não a realidade que constitui as línguas. Nesta oposição sucessividade/simultaneidade, assimila a oposição sincronia/diacronia, que em grande parte se assemelha à oposição entre língua e som, na medida em que o discurso se encontra, segundo Saussure, fora da língua e perto do som, no entanto, também perto da língua enquanto matéria fónica.

É através da articulação, deste conjunto de noções dicotómicas que leva ao extremo (e fá-lo coerentemente), as suas próprias dicotomias conceptuais, atribuindo ao significado, valor próprio, conseguido apenas pela sua oposição. As palavras encontram-se numa relação diferencial, porque as próprias palavras entram numa série de oposições, verificando-se o mesmo no plano do significante ou no plano fónico, onde as imagens acústicas se separam pelas diferenças, fornecedoras elas próprias de oposições. É este processo negativo que se nos apresenta como termos positivos em que “a afirmação de que tudo é negativo na língua só é verdadeira quando aplicada ao significado ou ao significante tomados isoladamente: a partir do momento em que se considera o signo na sua totalidade, estamos em presença de algo que é positivo ao seu nível. Um sistema linguístico é uma série de diferenças de sons combinada com uma série de diferenças de sentidos (...) Embora o significado e o significante sejam, cada um por seu lado, puramente diferenciais e negativos, a sua combinação é um facto positivo” (Saussure 1999: 203).

Paradoxalmente a questão do sentido foi excluída durante muito tempo, era tido como vulnerável – foi alvo de uma prolongada hesitação – era à língua e não à fala que Saussure atribuía como objecto à linguística. Para retermos a extensão que o cunho de Saussure teve na linguística e em toda a análise estrutural leia-mos as suas próprias palavras: “Não há ideias preestabelecidas, e nada é distinto antes do aparecimento da língua” (Ibid.: 190). Para este autor no mecanismo da "língua, tudo se reduz a diferenças, mas tudo se reduz também a associações. Este mecanismo, que consiste num jogo de termos sucessivos, é semelhante ao funcionamento de uma máquina cujas peças têm uma acção recíproca, embora estejam dispostas numa só dimensão" (Ibid.: 215). Mas outras correntes virão a postular operações que não coincidem uma com as outras, a realidade é complexa. "Os linguistas – e sobretudo, entre eles os estruturalistas – se interrogam: que estudam na realidade? Que é esta coisa linguística que parece se despregar da cultura, da vida social, da história e até destes homens que falam?" (Lévi-Strauss 1989: 87).


- A problemática da associação: Som com Sentido
A forma como Roman Jakobson, irá retomar as noções básicas de Saussure, constitui-se como uma espécie de reorientação conceptual dessas mesmas noções. Jakobson virá a matizar estas noções.

Em Saussure, o som distingue-se do domínio da língua e, é na sequência das dicotomizações que faz, que opõe produção de som a audição de som. Em contrapartida, Jakobson, problematiza no estudo da linguística a forma de associar som com sentido.


Para Jakobson, a comunicação linguística, necessita de uma operação de descodificação que decorre do som ao sentido. A mensagem é constituída por um conjunto de sinais moderados, transmitidos por um emissor com o objectivo de serem recepcionados e simultaneamente descodificados. Ou seja, para Jakobson, fala-se para ser ouvido e entendido, daí a necessidade de se encontrar uma classificação racional para a múltipla diversidade de posições do aparelho vocal, capazes de produzir um mesmo som. Mais, fala-se "para se ser ouvido; é preciso acrescentar que se quer ser ouvido para se ser compreendido. É o caminho do acto fonatório até ao som propriamente dito e do som até ao sentido” (Jakobson 1977: 30).


Todavia, é necessário encontrar a questão do sentido em relação ao som, a classificação dos sons só poderá surgir a partir da veiculação do sentido desses mesmos sons. A mensagem requer assim um contexto, um código, um canal, que constituem funções linguísticas diferentes, pois o grande problema reside na associação entre som e sentido e, não existindo critérios de classificação em relação à produção dessa dicotomia era necessário questionar o sentido em relação ao som e vice-versa. Só é possível a classificação dos sons ouvidos, a partir do momento em que se coloca a questão do sentido, veiculado por esses mesmos sons ouvidos e só a partir deste critério funcional se poderá separar som e sentido.

A partir deste princípio e, mediante a distinção entre fonema e variante combinatória, chegou-se à fonética e à fonologia. Encontramos em Jakobson (1963: 104) “deux niveaux du language et de l'analyse linguistique doivent être tenus séparés: d'une part le niveau sémantique, qui comprend tout à la fois les unités significatives simples et complexes, du morphème à l'énonce et au texte, et, d'autre part, le niveau phonologique, qui concerne les unités simples et complexes dont le rôle est seulement de différencier, cimenter, compartimenter, ou de mettre en relief les diverses unités significatives.” Para Saussure, o fonema é unidade complexa, desligado da língua em si, ou seja faz uma grande distinção entre língua e matéria fónica. Jakobson, tenta uma proximidade entre a noção de língua e de matéria fónica, colocando em causa o principal princípio de Saussure: a total independência da língua e, como já foquei anteriormente, o princípio da arbitrariedade do signo linguístico. Pois, Jakobson não crê na total independência, defendendo apenas a distinção destes dois campos, sendo significado e significante indissociáveis em qualquer língua. “Saussure apela para as diferenças entre as línguas, mas na verdade só se pode resolver a questão da ligação arbitrária ou do elo necessário entre o significante e o significado, colocando-nos num determinado estado de uma determinada língua. (...) Contrariamente à tese de Saussure, o elo entre o significante e o significado, ou seja, entre a sequência dos fonemas e o sentido, é necessário; mas a única ligação necessária entre os dois aspectos é a associação que assenta sobre a contiguidade, portanto sobre uma relação externa, enquanto que a associação que assenta sobre a semelhança (sobre uma relação interna) é só facultativa” (Jakobson 1977: 87).

A palavra e o signo verbal em geral apresentam a união do som e do sentido, isto é, a união do significante e do significado. As várias funções que os elementos fónicos cumprem na língua a mais importante: "É a função distintiva, [ou seja,] a faculdade de os sons se diferenciarem as significações das palavras, aquilo que importa antes de mais” (Ibid.: 36). São os sons que podem diferenciar as palavras. “É apenas através da análise do funcionamento dos sons da língua, que se pode estabelecer o sistema de fonemas de uma língua dada” (Ibid.: 42). É reconhecido por Jakobson algum mérito a Saussure pela noção essencial para o estudo funcional dos sons, mas reconhece-lhe inúmeras contradições patentes no seu postulado, acusando-o da maneira como encara e descreve os meios fónicos da linguagem. ”Estas contradições caracterizam o lugar intermédio que ocupa a doutrina saussuriana entre duas correntes sucessivas do pensamento linguístico; a corrente do empirismo ingénuo e a orientação estrutural da ciência moderna” (Ibid.: 48).

A crítica de Jakobson a Saussure é precisamente por este definir a fonética, como um princípio em que «tudo o que é fonética é não significativo», designando as mudanças de sons como estranhas ao sistema da língua. Pelo contrário, Jakobson defende, a ideia segundo a qual as mudanças não podem ser compreendidas a não ser em função do sistema fonológico que as suporta. Jakobson afirma que Saussure "compreendeu perfeitamente o carácter puramente diferencial e negativo dos fonemas, mas em vez de tirar daí as consequências que se impunham para a análise dos fonemas, apressou-se a generalizar a sua conclusão ao tentar aplicá-la todas as entidades linguísticas" (Ibid.: 58). Jakobson, anula também a oposição de Saussure, entre discurso e língua, acentuando a utilidade destas noções, defende a revelação de uma língua através do discurso como vontade individual. É a necessidade de compreensão dessa mesma língua para entendimento do discurso, que implica confundi-los. É a língua, mais concretamente a palavra, que Jakobson caracteriza como vazia de significado e possuidora de elemento significativos. Para o autor de Seis Lições Sobre o Som e o Sentido as diferenças de todos os fonemas de qualquer língua em questão dissociam-se em oposições binárias e simples, cujos elementos diferenciais, e que a "tese Saussuriana diz com precisão: «Os fonemas são acima de tudo entidades apositivas, relativas e negativas»” (Ibid.: 65).
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Também, em relação à evolução histórica, sustentada por Saussure como não sistémica, Jakobson, opõe-se, defendendo que o sistema determina as variações históricas, não sendo possível coexistir uma oposição entre história e sistema, pelo menos da forma radical como é colocada por Saussure. "La pensée structuraliste moderne l'a clairement établi: la langage est un systéme de signes, la linguistique est partie intégrante de la science des signes, la sémiotique (ou, dans les termes de Saussure, la sémiologie. […] C'est ainsi la marque constitutive de tout signe général, du signe linguistique en particulier, réside dans son caractère double: chaque unité linguistique est bipartite et comporte deux aspects, l'un sensible et l'autre intelligible - d'une part le signans (le significant de Saussure), d'autre part le signatum (le signifié). (Jakobson 1963: 162).



- A ideofonia estruturalista
“ (…) a antropologia estrutural é uma semiótica, na medida em que considera como linguagens os fenómenos antropológicos e lhes aplica o processo de descrição própria da linguística. (…) a partir de Mauss, os antropólogos interessavam-se pelos métodos linguísticos para aí irem buscar uma informação, sobretudo etimológica, que esclarecesse os ritos e os mitos; mas a fonologia de Troubetzkoy foi a grande inovadora desta colaboração, tal como a concepção da língua como sistema de comunicação. Claude Lévi-Strauss, fundador da Antropologia estrutural baseado na metodologia fonológica tinha escrito em 1945: «A fonologia não pode deixar de exercer, em relação às ciências sociais, o mesmo papel renovador que a física nuclear, por exemplo, exerceu para o conjunto das ciências exactas». O processo fonológico foi efectivamente aplicado aos sistemas de parentesco das sociedades ditas primitivas” (Kristeva 1980: 343-344).

Utilizando os conhecimentos metodológicos do Círculo Linguístico de Praga, em particular os de Roman Jakobson[1] , Lévi-Strauss surge como o grande investigador do estruturalismo. Num vasto trabalho de inventariação postula uma analogia de estruturas entre as diversas ordens de factos sociais e linguísticos.


Foi através de um artigo na revista Word em 1945, que Lévi-Strauss afirma pela primeira vez a analogia que é estabelecida entre os factos do parentesco e da linguagem, analogia esta instituída a dois níveis, tal como a dicotomia saussuriana língua/fala. Assim, como a linguagem, os sistemas de parentesco obedecem a uma lógica de sistema. Tal como a linguagem que tem a função da comunicação.

A defesa da perspectiva estrutural faz-se contra as tradições de explicação pela história e pela imputação de duas estratégias, de dois princípios basilares, trazidos por Saussure e pela linguística estrutural no domínio das ciências humanas. Ou seja, a sujeição da perspectiva diacrónica à perspectiva sincrónica e o princípio de que a lógica, que sustenta a língua, está aquém da consciência dos utilizadores. A identificação entre linguagem e parentesco e a possibilidade de transpor a metodologia estrutural para o plano sociológico e cultural é explicada em função da posição privilegiada que a linguística pós-saussureana veio a ocupar nas ciências humanas, nomeadamente com o trabalho de Jakobson.

A transposição do método fonológico no domínio da Antropologia é um dado adquirido em Lévi-Strauss. Tal como na linguística, mais concretamente no sistema fonológico em que, a língua é em si mesma um sistema de significação. Para o estruturalismo temos que partir de que a língua é «sistema». Precisamos de retroceder no tempo para ver que foi com Saussure que se abandonou a perspectiva histórica de abordar a língua, para esta ser tomada como sistema. Dizia Saussure: “A língua é um sistema cujas partes podem e devem ser consideradas na sua solidariedade sincrónica” (Saussure 1999: 152).” Saussure distinguia, signo/valor/significação fornecendo elementos para apreender a sua noção de sistema. Vendo um mundo de possibilidades no trabalho do sociólogo e do linguista Lévi-Strauss, «vê» na fonologia a possibilidade de definir leis gerais, uma vez que trabalha com um pensamento do tipo dedutivo. A sua pretensão é transformar a Antropologia numa ciência positiva.

Com o estruturalismo surge uma clivagem, a relação sincronia-diacronia em linguística é invertida. Saussure fazia equivaler sincronia e estática, diacronia e evolução do tempo. A contrário, Jakobson no seu Essais de Linguistique Générale diz-nos que " (…) l'historie d'une language ne peut être que l'historie d'um systéme linguistique, qui subit différentes mutations. Chaque mutation doit être analysée du point de vue du système, tel qu'il était avant et tel qu'il est aprés mutation. (…) Synchronique n'est pas égal à statique." (Jakobson 1963: 36).

Vimos no prefácio elaborado por Claude Lévi-Strauss ao livro de Roman Jakobson Seis Lições Sobre o Som e o Sentido que ele contem em si uma homenagem e uma crítica. Homenagem, porque os métodos linguísticos serviram os propósitos de Lévi-Strauss na medida em que o modelo linguístico da fonologia, que Lévi-Strauss decidiu explorar iria segundo ele, precipitar o ritmo do desenvolvimento do conhecimento. Críticas, porque os «mestres» nem sequer pronunciavam o nome de F. Saussure preocupados que estavam em meditar no Ensaio sobre os dados imediatos da consciência, não mencionavam o Curso de Linguística Geral.

Lévi-Strauss reconhece que foi o livro Seis Lições Sobre o Som e o Sentido que lhe trouxe a revelação da linguística estrutural. O encontro com Jakobson irá ser capital para a demonstração do seu texto, As Estruturas Elementares do Parentesco. Em Lévi-Strauss dá-se a descoberta de uma ciência social em que o modelo linguístico da fonologia possui, segundo ele, as qualidades e o rigor necessários à constituição de uma verdadeira ciência. Ao contrário do antigo método: " «A fonologia actual não se limita a declarar que os fenómenos são sempre membros dum sistema; ela mostra sistemas fonológicos concretos e torna patente a sua estrutura»; [finalmente,] visa à descoberta de leis gerais, (…) o que lhes dá um carácter absoluto» (Lévi-Strauss 1989: 48 cf. Trubetzkoy 1933: 243), considerando que é "assim, pela primeira vez, uma ciência social consegue formular relações necessárias” (Lévi-Strauss 1989: 48).


O modelo estava adoptado e Lévi-Strauss propõe uma aproximação com o estudo dos sistemas de parentesco sublinhando a analogia. Assim, “como os fonemas, os termos de parentesco são elementos de significação; como eles só adquirem esta significação sob a condição de se integrarem em sistemas; os «sistemas de parentesco», como os «sistemas fonológicos», são elaborados pelo espírito no estágio do pensamento inconsciente” (Ibid.: 48-49). A adopção do modelo linguístico no projecto estrutural supõe a inversão da relação sincronia-diacronia, ou seja, a fonologia dá conta de como é que a linguagem atinge o seu próprio conhecimento. Antes da fonologia ser conhecida como tal, pois apenas se conhecia a sua função, ignorava-se o sistema. Todavia, diz Lévi-Strauss, esta “analogia superficial entre os sistemas fonológicos e os sistemas de parentesco é tão grande que impele imediatamente a uma falsa pista. (…) O tratamento dos temas de parentesco (…) só é analítico na aparência [em vez de ir directamente ao concreto,] afastámo-nos do concreto ao invés de nos dirigirmos a ele – se é que há sistema aí – só poderá ser conceptual” (Ibid.: 51).

Na sua obra As Estruturas Elementares do Parentesco, Lévi-Strauss dá uma certa ênfase à natureza e à cultura, principalmente a passagem de uma para a outra. Do lado da natureza estaria tudo o que é universal, o instinto o aparelho fisiológico e a desordem, do lado da cultura, a regra, a particularidade, as instituições sociais e a linguagem " (…) tout ce qui est universel, chez l'homme, relève de l'ordre de la nature et se caractérise par la spontanéité, que tout ce qui est astrient à une norme appartient à la culture et présente les attributs du relatif et du particulier" (Lévi-Strauss 1981: 10). O objectivo de Lévi-Strauss é claro, pretende fazer a distinção de duas «ordens» no parentesco. Pare este autor “o parentesco não se exprime unicamente numa nomenclatura; [para explicar a função dos sistemas de parentesco, ou seja, a sua significação, Lévi-Strauss reúne tal como se faz na linguagem a ordem e a significação] os indivíduos (…) que utilizam os termos se sentem (ou não se sentem, conforme o caso) obrigados uns em relação aos outros a uma conduta determinada” (Lévi-Strauss 1989: 53). Lévi-Strauss faz da linguagem a justificação do seu sistema (ordem e significação). “O sistema de parentesco é uma linguagem; (…) pois a língua é o sistema de significação por excelência; ela não pode deixar de significar, e o todo da sua existência está na sua significação” (Ibid.: 65-66). Mais adiante, o autor virá a afirmar que o seu sistema, tal como a linguagem, está dependente do pensamento simbólico. “Um sistema de parentesco (…) só existe na consciência dos homens; é um sistema arbitrário de representações, (…) são sistemas de símbolos (…) como no caso do estudo linguístico, estamos em pleno simbolismo” (Ibid.: 69). A explicação que Lévi-Strauss aqui dá, leva-nos a concluir, que, para ele, a linguagem oferece o fundamento excelente da ligação sistema-função e que este fundamento é o mesmo que o dos sistemas de parentesco.

A reflexão que Claude Lévi-Strauss faz, dissocia consciente de inconsciente, quando pensa a significação e o modelo linguístico surge com essa capacidade de justificação dessa dissociação. Ou seja, o modelo linguístico introduz-se ao longo da sua obra, para demonstração e justificação do seu argumento.

Já dissemos o quanto Lévi-Strauss na introdução ao texto de Jakobson, Seis Lições Sobre o Som e o Sentido, homenageia e faz referência à sua dívida para com este autor em termos de inspiração teórica. Apoiando-se sobre as relações observadas na linguagem, em que o seu sentido é o dominador comum, estabelece-lhe a «ponte» para pensar de uma maneira análoga os sistemas de parentesco que são assim também sistemas de oposição. A linguagem, a social, é para Lévi-Strauss uma realidade autónoma (aliás a mesma), em que os símbolos são mais reais do que aquilo que simbolizam, o significante precede e determina o significado. Ou seja, os termos de parentesco são elementos de significação.


Antes de reflectir sobre a passagem do método linguístico às ciências sociais, o estruturalismo pensa primeiro sobre a linguagem e a vida social, diz Lévi-Strauss, o “vocabulário só adquire significação, para nós próprios e para os outros, à medida em que o inconsciente o organiza segundo leis, e faz dele, assim, um discurso” (Lévi-Strauss 1989: 235). Para Lévi-Strauss é próprio à natureza da sociedade exprimir-se simbolicamente nos seus costumes e instituições, ao falar desta inerência simbólica o autor da Antropologia Estrutural, assinala que foi “ (…) graças à fonologia e na medida em que ela soube, para além das manifestações conscientes e históricas da língua, sempre superficiais, atingir realidades objectivas” (Lévi-Strauss 1989: 74). Assim, para Lévi-Strauss a consciência é uma questão funcional, em que a passagem da natureza para a cultura, ou seja, do objecto para o sinal e a linguagem, permite descobrir ou aperceber propriedades normalmente dissimuladas do objecto, e que são estas propriedades que lhe são comuns com a estrutura e o modo de funcionamento do espírito humano.

Chave de êxito da análise estrutural a observação, e o texto de Jakobson é fazer equivaler, pela união indissolúvel «sons» e «sentidos» em linguística e «sistema». “O dualismo indissolúvel de todo o signo linguístico é o ponto de partida da linguística moderna no combate obstinado que ela trava em duas frentes. O som e o sentido: estes dois domínios devem ser completamente incorporados no campo da ciência da linguagem; é preciso analisar sistematicamente os sons da palavra falada à luz do sentido, e o próprio sentido, em referência à forma fónica” (Jakobson 1977: 162-163).


Adoptando as perspectivas da linguística estrutural para o estudo da cultura, Lévi-Strauss inverte a problematização habitual, ou seja, evita os métodos históricos e põe a hipótese de que a cultura é uma totalidade. Para Lévi-Strauss, investigações inovadoras fazem pensar que o carácter fundamental da língua – ser composta de signos – poderia ser comum ao conjunto dos fenómenos que constituem a cultura. Ou seja, o estruturalismo de Lévi-Strauss acalenta a ideia de que, do mesmo modo que em linguística se pode esperar leis científicas, nesses processos inconscientes, também poderíamos da mesma maneira esperar entender as singularidades da cultura. Por isso, o estruturalismo de Lévi-Strauss instaurou cada vez mais a relação dos sistemas formais na «arquitectura do espírito».


Algumas notas conclusivas
Na origem do estruturalismo encontramos inicialmente Ferdinand de Saussure, que começou por se opor à linguística histórica comparativa e evolucionista. A antropologia estrutural toma o exemplo da linguística e em particular o da fonologia, ou seja, para a antropologia straussiana, Saussure só teve importância em termos funcionais.

As modificações introduzidas por Roman Jakobson em relação às concepções fundadas por Ferdinand de Saussure, exige, no entanto, assinalar a importância fundamental que estes dois teóricos exerceram nos estudos que os seguiram e com esse objectivo, recorro à própria introdução das obras analisadas. Em relação a Saussure: “(…) uma obra cuja doutrina, porque basilar, tem servido de ponto de partida para reflexões que a levaram a caminhos nem sequer suspeitados” (Saussure 1999, 19). Em relação a Jakobson e recorrendo às palavras de Lévi-Strauss inseridas no prefácio às Seis Lições Sobre o Som e o Sentido: “A julgar por possibilidades de extensão do seu pensamento teórico, e que Jakobson talvez recusasse, pode-se de qualquer forma analisar da amplidão do campo que abriu à pesquisa e da fecundidade dos princípios sobre os quais, graças a ele, esta pode passar a guiar-se” (Jakobson 1977: 17). Assim, com Saussure, a língua tornar-se-á sistema, com o círculo de Praga estrutura.

Quando Lévi-Strauss se refere explicitamente à linguística, é porque descobre nela a possibilidade de um método objectivo para pôr em evidência a lógica de sistemas de transformação cujas imposições e graus de liberdade remetem, na sua opinião, para a própria organização cerebral. O aparecimento simultâneo da linguagem e de uma exigência de sentido (sendo necessário que o mundo significasse, antes mesmo de ser possível saber o que significava) como única exigência capaz de dar origem ao pensamento simbólico, traduzindo-se num esforço, no intuito de compreender ao mesmo tempo a universalidade do simbólico e a singularidade das significações.

Através da linguagem e das instituições humanas, encontramos no quadro da obra de Lévi-Strauss a presença misteriosa redutível a uma lógica mental inconsciente. O objecto da linguística, a língua, revelou-se através de Saussure ser uma realidade estruturada, um arranjo sistemático das partes. "Era à língua, e não a fala, que Saussure atribuía como objecto à linguagem (…) a linguística saussuriana relegou tudo aquilo que podia constituir-se como problema, em particular o problema do sentido, na medida em que este está fortemente ligado à enunciação, à situação do discurso. (…) A dicotomia saussuriana, durante muito tempo aceite como palavra sagrada, é hoje cada vez mais contestada, visto que a posição de Saussure, por muito rigorosa que seja, não deixa de apresentar um paradoxo: na realidade, a língua fenómeno social, só é observável através da fala, manifestação individual" (Yaguello 1997:121).

Os objectos abarcados pela antropologia estrutural podem ser vistos como uma progressiva adequação ao edifício teórico, em que a vastidão dos temas tratados, a quantidade dos materiais empíricos analisados ao longo da obra de Lévi-Strauss são o resultado das premissas da linguística estrutural. O encontro entre a fonologia e a antropologia permitiu a Lévi-Strauss discernir uma sistematicidade. É nos sistemas de parentesco, considerados sincrónicamente, que Lévi-Strauss testemunha uma certa regularidade. No estudo dos problemas de parentesco, Lévi-Strauss considera que o "sociólogo se vê numa situação idêntica à do linguista fonólogo: como os fonemas, os termos são elementos de significação; como eles, só adquirem essa significação sob condição de se integrarem em sistema" (Lévi-Strauss 1989: 48). A partir deste princípio básico, a antropologia estrutural procurou definir tal como o sistema linguístico, os elementos de um sistema de parentesco e as suas relações específicas desses elementos na estrutura. Contudo, e como nos diz Lévi-Strauss (1989: 309) “cada cultura tem os seus teorizadores, cuja obra merece tanta atenção como a que o etnólogo concede a colegas seus. (…) mesmo se os modelos forem tendenciosos ou inexactos, a tendência ou o género de erros que encerram fazem parte integrante dos factos a estudar; e talvez até figurem entre os mais significativos."


É inconternável, para Lévi-Strauss, na elaboração dos instrumentos conceptuais, a contaminação doutrinal saussuriana que acabou por se tornar poderosa e reveladora de esquemas teóricos da análise estrutural. “O princípio saussuriano do carácter arbitrário dos signos linguísticos deve certamente ser revisto e corrigido; mas todos os linguistas estarão de acordo em reconhecer que, de um ponto de vista histórico, ele marcou uma etapa indispensável da reflexão linguística. (…) Destinguindo entre língua e as palavras Saussure mostrou que a linguagem oferecia dois aspectos complementares: um estrutural, o outro estatístico; a língua pertence ao domínio de um tempo reversível, e as palavras ao domínio de um tempo irreversível” (Ibid.: 240). A adopção das suas ideias, ou melhor o contra ponto delas, serviu outras significações formuladas e exprimidas por outros contornos.

Uma das conclusões essenciais da linguística saussuriana é a da arbitrariedade do signo. Por ser arbitrário, o signo, é variável para cada comunidade linguística. Com efeito, nenhum destes sistemas é compreensível se não tiver em linha de conta o enunciador - o lugar da fala. Para Saussure, a fala é do domínio do individual, o que lhe interessava era o social esse «tesouro» depositado no cérebro. "O objecto concreto [do seu estudo] é, pois, o produto social depositado no cérebro de cada um, isto é, a língua" (Saussure 1999: 56). No postulado saussuriano, o sentido das palavras tem a ver com o seu contexto. Como vimos, para Jakobson é muito vulnerável o elo que liga o significante e o significado. Estamos no lado formal, ou melhor, o elo não é mais que um laço cultural, dado o seu corolário de arbitrariedade. Se é arbitrário não é necessário, depende da escolha de quem falar. A linguagem humana está dotada de uma dupla articulação, som e sentido, mantendo uma relação arbitrária, permitindo a associação de sons de uma palavra que seja desconhecida, ou seja, a língua é um jogo cujas regras podem ser deturpadas, é a única que pode relacionar-se consigo própria.

Na antropologia estrutural de Lévi-Strauss, a noção de inconsciente revela uma importância basilar. Primeiro que tudo, o inconsciente é descoberto no interior da estrutura. “Na Etnologia como na linguística (…) não é a comparação que fundamenta a generalização, mas o contrário. (…) a actividade inconsciente do espírito consiste em impor formas ao conteúdo, e se as formas são fundamentalmente as mesmas para todos os espíritos (…) basta atingir a estrutura inconsciente, subjacente a cada instituição ou a cada costume, para obter um princípio de interpretação válido” (Lévi-Strauss 1989: 37). O método estrutural pretendeu, com o modelo herdado da linguística, abarcar os fenómenos e explicá-los em termos estruturais, jogando com equivalências cuja associação parece natural, supondo um rigor conceptual preciso. A partir de uma perspectiva funcional, uma análise semiológica pode ser aplicada em termos não linguísticos, extravasando a semiologia, isto é, não se subscrevendo à linguistica.

Para Lévi-Strauss foi por "vias erradamente julgadas hiperintelectuais, [que] o estruturalismo redescobre e leva à consciência verdades mais profundas que o corpo já anuncia obscuramente; ele reconcilia o físico e o moral, a natureza e o homem, o mundo e o espírito (…)" (Lévi-Strauss 1986: 172). Desmontar o «mecanismo» da linguagem cujo «motor» é inconsciente revela-se uma tarefa algo penosa, e, senão mesmo ingloriosa. O estruturalismo não é um formalismo mas passa por lá, uma vez que se interessa pelo funcionamento do espírito humano, ou seja procura a inteligibilidade do humano, atingindo a estrutura do inconsciente. Para Lévi-Strauss todo o tipo de actividade da vida social participa da troca de comunicação. Esta actividade social como todas as outras, integra oposições do consciente/inconsciente, sendo as leis do inconsciente reveladas pelo estruturalismo com «coisas». Todo o esforço do estruturalismo vai na direcção do inconsciente que deseja atingir, inconsciente esse que à semelhança da linguistica se revela incomensurável na sua diversidade.


Bibliografia
SAUSSURE, Ferdinand de, Curso de Linguística Geral, 8ª edição, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1999.

LÉVI-STRAUSS, Claude, Les Structures Élementaires de la Parenté, 6ª edition, Mouton & Co, Paris, 1981.
--------------------------------, Antropologia Estrutural, 3ª edição, Edições Tempo Brasileiro, Rio Janeiro, 1989.
--------------------------------, O Olhar Distanciado, Edições 70, Lisboa, 1986.
YAGUELLO, Marina, Alice no País da Linguagem – Para compreender a linguística, Editorial Estampa, Lisboa, 1997.
JAKOBSON, Roman, Seis Lições Sobre o Som e o Sentido, Edições Moraes, Lisboa, 1977.
--------------------------, Essais de Linguistique Générale, Les Editions de Minuit, Paris, 1963.
KRISTEVA, Julia, História da Linguagem, Edições 70, Lisboa, 1980.


[1] “Expondo os antecedentes do Estruturalismo, ele sempre lhe reservou um lugar de destaque.” (Lévi-Strauss 1993: 22).

Antropologia Económica - A Doutrina do Ocidente e a Imposição Sobre as Outras Culturas

"Estes santíssimos padres em Cristo, e vigários de Cristo (…) Julgam defender apostolicamente a Igreja, esposa de Cristo, quando despedaçam aqueles a quem chamam inimigos. Como se os mais perniciosos inimigos da Igreja não fossem os pontífices ímpios, que fazem esquecer Cristo quer pelo silêncio, quer pelas leis traficantes, quer pelas interpretações adúlteras, quer pela vida pestilenta que levam."
Erasmo de Roterdão


Foi ontem. Hoje a religião deixou há muito tempo de ser a instância que assegura com os deuses a regulação das coisas e a ordem entre os homens.

Compreende-se que haja muito quem pense que, com Nietzsche, Deus morreu. Mas também não faltam avós que dizem à sua filha, falando da neta: «Não vais deixar que a tua filha se case sem passar pela Igreja». O céu dos homens continua durante muito tempo iluminado pela luz das estrelas mortas.


O catolicismo está longe de ser uma pura religião de salvação. O catolicismo é dotado de um aparelho de poder, poder este que se bate pelo seu próprio poder, mesmo que só tenha mudado de cara e de argumentos. Esquecemos muitas vezes com grande facilidade que a religião não é nem doutrina nem teologia, ou seja, é um discurso cuja coerência é incerta. Sabemos que a ordem, o poder, a lei, são valores chaves do pensamento jurídico e político. O respeito pela pessoa humana deve tanto aos juristas como aos teólogos.


A laicidade não proíbe as Igrejas de se interessarem pelos grandes problemas da sociedade. Com efeito, a Igreja cristã não se apresenta na Idade Média como uma pura instância espiritual. Feita religião do Império a partir de Constantino, e associada ao poder imperial, o seu poder aumentará ainda mais quando este mesmo Império fica enfraquecido e entra em declínio. A Igreja aproveitou-se desta situação para aumentar o seu poder e construir o seu próprio império. Foi aquilo a que Delumeau chamou a «derrapagem» da Igreja (1977: 50): "O cristianismo oficial derrapou a partir da época constantiniana". O recurso à Igreja como um poder alternativo num longo período de crise implica necessariamente uma igreja diferente.



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"O domínio da Igreja sobre a cultura só foi quase total durante a Alta Idade Média. A partir da revolução comercial e do desenvolvimento urbano tudo se passa de outro modo. Por mais fortes que continuem a ser os interesses religiosos, por mais poderoso que seja ainda o enquadramento eclesiástico, grupos sociais antigos ou novos descobrem outras preocupações, têm sede de outros conhecimentos práticos ou teóricos diferentes dos religiosos, criam instrumentos de saber e meios de expressão próprios. Neste nascimento e desenvolvimento duma cultura laica, o mercador desempenhou um papel capital" (Le Goff 1982: 77).

Nos alvores do século XVI, a contradição que a Igreja transportava consigo torna-se insustentável, a história de um papa como Gregório, o Grande, ou de um bispo como Martinho de Tours mostra bem que estava fora de causa que a Igreja se limitasse ao domínio da «espiritualidade».


O Papa como Vigário de Cristo, não hesitava em usar os seus poderes de excomunhão para promover as ambições da família ou consolidar o seu poderio territorial. Dito isto, a desconfiança da Igreja em relação ao comércio não impedira o desenvolvimento das trocas comerciais, "a Igreja promulgou (…) toda uma série de sanções. A princípio apenas espirituais (…) em seguida temporais” (Le Goff 1982: 60). Mas condenações da usura não foram levadas muito a sério pela Igreja, cedo não hesita em pedir dinheiro a juros, " (…) o juro pago pelo que pedia emprestado tanto era apresentado como dádiva voluntária, como podia tomar a forma duma multa paga na expiração do prazo de reembolso, fixado expressamente para uma data demasiado próxima (…)" (Le Goff 1982: 60).


Fosse o que fosse, aquilo que os teólogos pensassem acerca da usura e dos negócios era cada vez menos relevante para o que estava a acontecer na vida económica, "a noção de utilidade e de necessidade dos mercadores (…) veio a coroar a evolução da doutrina da Igreja e lhes valeu o direito definitivo à cidadania na sociedade cristã medieval" (Le Goff 1982: 62). Posto isto, o sentido de aventura ia conduzir facetas assombrosas da actividade humana. Foi devido aos mercadores que se pode travar e expandir a doutrina ocidental.


A unidade do cristianismo foi efectivamente quebrada. O grande século XVI introduziu uma nova era de política do poder, de grandes guerras combatidas com novas armas e financiadas pelas riquezas do comércio.


Registou-se por toda a parte um respeito, muitas vezes genuíno, de violentas paixões, de profundas emoções, em que se gladiavam os mentores da fé. Mas, apesar de tudo isso, registou-se também um desvio marcado por outra escala de valores, em direcção ao secularismo. As guerras religiosas com demasiada frequência encobriam desígnios puramente mercantis. Os Turcos que "(…) empreenderam a conquista da Grécia em 1422" (AAVV 1996: 66), e que vieram a fundar comunidades mercantis, fizeram os cristãos gregos dispersaram-se em direcção ao ocidente, em consequência das guerras e conquistas turcas ocorridas. "A função da autoridade desprendida da divindade(…) é a gestão da empresa produtiva da força de trabalho e de bens que circulam como mercadorias; de facto, a expansão cristã do Ocidente a partir do século XVI, subordinou o conjunto dos povos colonizados à teoria do oikos grego, que os europeus haviam integrado na sua incipiente teoria económica inscrita na teologia" (Iturra: 1991: 25).



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A religião é um aspecto universal da cultura, e de um modo geral, reforça e mantém valores culturais, estando muitos deles ligados à ética e à moral, pelo menos implicitamente. Sustenta e incute normas particulares de comportamento culturalmente aprovadas, exercendo, até certo ponto um poder coercitivo.

Várias são as teorias sobre a origem do fenómeno religioso, elaboradas por antropólogos e outros cientistas, mas aquela que aqui nos interessa é a de Iturra (1991: 14), "A religião é uma teoria construída através do tempo que tenta, ou trata, de dar direcção às relações especiais. Esta construção é também feita pelo investimento da experiência num modelo central - a divindade - que sintetiza tudo aquilo que o homem precisa ter enquanto vive”. Que queiramos quer não, um dos objectivos da doutrina são os recursos, sem os quais é impossível viver. A resposta de Vasco da Gama, quando lhe perguntaram em Calecut o que pretendia - «ouro, cristãos e especiarias» - esconde metade da realidade. Nas suas motivações estava a curiosidade, o espanto que as novas paragens ofereciam, mas o interesse principal eram os recursos extra-europeus, que para além de serem numerosos revelavam-se variados e baratos.

A grande meta dos eruditos, é, sem dúvida, o controle e gestão dos bens e meios de produção. Assim sendo, há que ver o que interessa e o que não interessa ao povo saber. Isto é, se o mundo foi criado por Deus, tudo o que existe tem uma finalidade, nada foi criado ao acaso, assim, existe uma série de tabus a circundar os recursos, os quais têm que ser respeitados. Esta forma ideológica de controle das pessoas, é sem dúvida fantástica, e os eruditos, encostados aos dogmas, vão assim, controlando e tirando proveito dos «seus recursos». O homem deve então aceitar a doutrina que o ensina. Como diz Iturra (1991: 26): "A subordinação à paternidade divina é a garantia da continuidade do saber". Ou seja, a doutrina estabelece condutas, onde são criadas interdições e prescrições, em que o homem para se sentir bem, tem que praticar e obedecer a essas mesmas condutas. Caso desobedeça, corre o risco de cometer o pecado[1] e de desagradar a Deus ficando entregue a si próprio, i.e., fica fora da ordem social, perde a protecção.


O homem é então uma construção social, porque a doutrina concebe a ordem social, e dita as regras, se ele não cumpre a sua identidade é considerada desviante, ou seja, o indivíduo fica submerso na sociedade, esta por sua vez anula a sua individualidade através das suas leis. "Do que se trata, em síntese, é da sistematização de uma prática de subordinação do individual ao social sobre o qual se tem construído todo um poder. O poder provém da força da factualidade de construção do social" (Iturra 1989: 62).



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O desenvolvimento do valor de troca, da produção para o mercado e das forças produtivas em geral, levou necessariamente ao apelo aos homens para a vida terrena. Estava montado o cenário, para economia de mercado. Depois da queda de Roma, nenhum império conseguiu sobreviver dentro dos limites europeus.

As mobilidades sociais, a erosão económica, a ascensão material e social dos grupos mercantis não poderia deixar de criar tensões. Neste contexto a Igreja tornara-se um dos mecanismos fundamentais de preservação do poder nobiliárquico, não só pelo seu aspecto dito mais visível, na produção ideológica e na repressão dos que questionavam o seu monopólio, como, e principalmente, por constituir a instituição depositária dos excedentes nobiliárquicos que resultavam da instituição do morgadio. A nobreza, ao empurrar os filhos segundos para os conventos, matava dois coelhos com uma só cajadada: por um lado reforçava o seu poder na terra, por outro, garantia no céu a salvação eterna.


Como diz Weber (1996: 32), "toda essa contradição entre alheamento do mundo, ascese e devoção religiosa, por um lado, e participação na actividade capitalista, por outro, se poderá afinal transformar numa íntima relação de afinidade". O móbil e o peso da rede de manutenção eclesiástica sublinha a valoração do económico que se conexionam numa ética marcada pelo apreço do trabalho, ou daquilo que constitui o tipo de problemática apontado com Max Weber sobre o «espírito do capitalismo». Ou seja, o aparecimento dos sinais de mentalidade em que há uma propensão á valoração económica e a sua subsequente incorporação na escala de valores.


A religião e a economia têm uma conexão mútua e inseparável. “ (...) o pensamento económico tem usado ideias religiosas para mobilizar o processo de vida; no interior do grupo que trabalha trabalham ideias recolhidas pelo grupo, que dele se reproduzem e que lhe entregam saber e meios. O que permite retomar a definição de Firth (1959), (…) a religião é a preocupação do homem com o social e os seus objectivos (…) uma forma que a Igreja usa para afirmar o seu poder” (Iturra, 1991: 20-21). O declínio da consciência humana imediata do Céu e do Inferno, a diminuição do sentimento da responsabilidade do homem pelos pecados do mundo, tiveram o seu corolário no aumento do conforto material, na sensualidade declarada, nas representações seculares da arte, na música, na literatura, em suma, na convicção de que o homem podia realizar aquilo que quisesse neste mundo, sem o «fantasma» do divino.


O trabalho faz parte da vida do homem. É em função do trabalho que ele organiza e faz projectos para a sua vida e a produção que retira desse trabalho regulamenta, o casamento, o número de filhos, a herança e as relações sociais.


Existe sempre um processo racional da organização de estratégias para a produção que varia consoante os contextos históricos. A racionalização trás consigo, no entanto, um dado invariável que é o facto de todas as relações sociais, inclusive as de parentesco, serem determinadas pela classificação do trabalho. Não quer isto dizer que os sentimentos não existam, o que acontece é que as emoções são exploradas como estratégias para a produção e conduzidas para este fim. E aquilo que nos parece ser algo de natural é o produto de um cálculo racional. "Se o trabalho é a colaboração entre os homens, natureza e saber experiencial dos primeiros sobre a segunda, quer dizer, o abandono da ideia de divindade ou sistematização da matéria, que é o pecado senão uma taxonomia e uma garantia? (…) A garantia de tudo isto está na criação de transgressões que durante muito tempo foram castigadas em nome da divindade cá na terra (…) A história recente do Ocidente, com o seu antecedente de abstrair os seres humanos segundo uma concepção de trabalho que se entende primeiro e se faz depois - alma e corpo - mostra as consequências da transgressão" (Iturra: 1991: 77-78).


Se relacionarmos tudo isto como o desenvolvimento económico, estivemos em presença de um espantoso alargamento dos horizontes do homem, do domínio económico originado com o descobrimento de novos continentes.


Porque será que o Ocidente precisa de espalhar a sua doutrina? A teoria da religião tem princípios económicos. É evidente que a doutrina tem que ser espalhada. A racionalidade, o que será a racionalidade? Encontramos mil definições. Mas há uma definição que é bem mais natural para nós. É uma ideia oriunda dos palestinianos e dos gregos que o ser humano tem uma razão natural.


Segundo a doutrina da Igreja, pela razão natural o homem pode conhecer a Deus pelas suas obras. Faz dois mil anos que esta ideia nos governa. Passa-se de uma metáfora ao facto. Mysterium tremendum. No entanto o " mistério das relações entre igualdade e desigualdade (…) tinha fundamentos religiosos. A desigualdade pode ser justificada à luz das Escrituras. O Espírito «sopra onde quer». A noção social de Aliança implica a distinção de um escol de puros e, consequentemente, desigualdade. (…) A bem dizer, podem encontrar-se na Bíblia tantas justificações para a igualdade como para a desigualdade. (…) A igualdade natural entre os homens, perfilhada pelo cristianismo, não contradiz a estrutura hierárquica das «ordens» na sociedade. Mas o Direito Natural assenta no postulado de que existe uma lei universal, válida para todos os homens e com fundamento na própria natureza do homem. (…) Os homens são considerados com a capacidade de poder descobrir a lei natural exclusivamente pelas luzes da razão" (AAVV 1996: 515).


A racionalidade é-nos natural desde que nós a reconheçamos como uma divindade. No entanto, essa racionalidade não existe só por nossa causa. Porém, a doutrina é uma metáfora, porque diz que a razão existe, uma vez que diz que nos reconhecemos a obra de Deus. Ora, nós bebemos porque temos água e frequentemente dizemos: «graças a Deus à água», ou seja, é uma constante metáfora da nossa racionalidade - não pode ser interpretado por ninguém uma revelação divina, portanto estamos a falar de racionalidade. Desejar a razão é um sentimento escrito no coração e na mente do homem. Pela razão natural, reconhece-se que o ser humano tem razão.


É natural que nós no quotidiano usemos o conceito, tal como a doutrina diz que se procura a felicidade, as pessoas também procuram o lucro, ou seja, têm que produzir para a sua felicidade. Será que foi isto que viram os portugueses que foram para a Índia?



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O ser humano não cessa de interagir com os outros humanos, em consequência a racionalidade é uma forma de gerir as pessoas e as coisas. Porém, as culturas não reagem de forma uníssona, i.e. as suas necessidades, os seus conhecimentos, a sua religião não actuam da mesma forma e na mesma direcção em todo o lado. Cada cultura cria os seus próprios ditames.

Chegados a outras paragens, aos europeus, era necessário espalhar a doutrina, porque só assim se podiam fazer entender, imbuindo a outros povos os seus conceitos e promover os seus intentos.


Será que portugueses ao chegaram à Índia não reconheceram as suas formas racionais naturais? A objectividade racional, a utilidade procurada assenta num quadro em que a persuasão, a coerção, a imposição da dita fé católica no mundo não europeu revelou um grande número de convertidos ao catolicismo. E porquê? Pelo que atrás já foi dito não temos dificuldade de vislumbrar as causas. O missionário dominicano Bartolomeu de Las Casas na sua Brevíssima Relação da Doutrinação dos Índios, dá-nos conta de como os Espanhóis perpetraram na América do Sul vis atrocidades aos nativos. Estes viviam ainda no Neolítico, as suas armas compunham-se de lanças, fisgas e fundas. Os espanhóis chegaram lá e atacaram-nos com "raios por todo o lado".


O monoteísmo ocidental seguro da excelência da revelação que os fundamenta, exibem altivamente a sua superioridade, pudera! Para além da exegese dos ritos, traziam canhões espingardas, um poder bélico altamente destruidor. Os canhões, as espingardas, causaram estragos que eles nunca tinham visto, entenderam que Deus estava zangado com eles e fugiram. O mesmo é dizer que se tratava de um poder com o qual era preciso estabelecer as melhores relações. O conquistador, as suas formas, de pensar são muito diferentes. Temos aqui duas formas de entender a realidade. O efeito é devastador.


"À parte da violência directa, houve desastradas tentativas de conversão por atacado por parte dos pioneiros espanhóis na América do Sul, os «conquistadores». (…) estes soldados-exploradores baptizavam frequentemente tribos inteiras em massa (…) quando foi estabelecido na América do Sul o sistema de cativeiro chamado encomienda, como forma de escravidão estatal, os nativos foram forçados a aceitar o catolicismo. (…) quer isto dizer que os métodos espanhóis, na maior parte das vezes, aniquilavam mais do que convertiam os povos nativos (…) associando a nova religião á conquista, à servidão, à exploração e à desumanidade" (Mullett 1984: 60).


Os contactos, ora violentos, ora pacíficos, que a Península Ibérica perpetuou, tanto nos povos americanos, como nos africanos e asiáticos, não nos podemos esquecer que apesar de violentos e destruidores os confrontos na América espanhola, nunca deram lugar à supressão total das etnias e civilizações anteriores, como aconteceu nas regiões colonizadas, dominadas pelo imperialismo europeu do período de expansão económica, conduzida sobretudo por países de Europa do Norte.



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Dámo-nos conta de uma Igreja cheia de excessos, de abusos, de ignorâncias, de violência em que a importância da devoção cristocêntrica se agarra com uma sinceridade apaixonada ao problema da sua própria salvação. Encontramos nos pregadores do Evangelho, prodígios e desastres, tentativas vacilantes de explicar e prever por meio de jogos de palavras o medo, num mudo instável onde o sino toca todos os dias e a morte dá o mais quotidiano dos espectáculos.

De que vivem as Igrejas? Onde vão elas buscar as suas finanças? O caso das indulgências não passa de um indicador. Temos uma Igreja de que não é fácil dizer se tenta dar remédio para a angústia dos homens, ou se a cultiva pelos lucros que essa angústia dá, eu diria faz as duas. A Igreja vive do trabalho alheio.


Deslizando através do ritual, da evocação do poder-outro, do poder divino, em nome do amor, da justiça ou da liberdade, procura não ser derrubada através de construções, contradizendo-se " (…) muitas vezes (sic et non sim e não), e que, como [já] dizia Alain de Lille no final do séc. XII, "as autoridades têm um nariz de cera" - maleável ao gosto dos exegetas e dos utentes" (Le Goff 1987: 22).

É assim que se espalha a doutrina. A expansão da doutrina é substituir a racionalidade natural pelo etnocentrismo racional europeu, que acredita na divindade, na morte e na ressurreição. Essa necessidade dos seres humanos que precisam de uma divindade que possam tocar e mexer, que esteja perto de nós, que tenha um nome, uma hierarquia, que nos faça mais fortes. Em consequência, a dita doutrina, acaba por ser um sincretismo religioso, no juntar de ideias culturais por meio de missões. Um punhado de homens em nome de Cristo agarra em seres humanos e submete-os a um sincretismo atroz, que racionalidade é esta? É isto que é a religião? Palavras, conceitos, para vender de uma forma económica.



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"Homens que professam a caridade apostólica, dão gritos de tragédia por causa da maneira de cingir um hábito (…) Há os que têm horror ao contacto como o dinheiro, mas já não como o vinho nem com as mulheres. Todos têm em mira singularizar o seu modo de vida. Não procuram a semelhança com Cristo, mas diferença entre eles. A maior parte da felicidade deles está no cognome: uns gostam de se denominar Franciscanos, (…) Há os beneditinos e os bernardinos; há os bridgenses e os augustinenses; há as guitelmitas e os jacobinos; tudo isso como se fosse pouco dizerem-se cristãos" (Erasmo 1982: 102). Este relato pode ser encarado como uma amostra da situação da Igreja na Europa, a apatia e a indiferença grassava - o orçamento pontifício organizava-se cada vez mais como o dos príncipes temporais, interessados essencialmente na actividade secular. A religião tornava-se mais mecânica e materialista o que interessava era que os seus fiéis colocam-se o dinheiro na caixa das esmolas. O humanismo rejeitava cada vez mais as virtudes monásticas e fomentava atitudes seculares.

A leitura Evangelhos e a forte acessibilidade da Bíblia[2] levou a que muitos homens verificassem que muito daquilo que era típico da Igreja contemporânea tinha fraco apoio nos Evangelhos. Para além disso, a rebuscada dialéctica do ensino, os seus argumentos pareciam totalmente divorciados da vida real. Mas não era só isso, o refinamento da actividade mercantil criou condições para um anticlericalismo largamente predominante que tomava o êxito material como um sinal de virtude.

A lei que regulamenta a economia está escrita, é um decreto. Para evangelizar, para aprender uma cultura, a Europa latina (de confissão cristã) não se poupou a esforços. A emergência no credo e no culto deu alguma atenção à diversidade cultural. Porém, o Concílio de Trento, esse duelo verbal, conseguiu ao fim de 18 anos[3], algumas das suas declarações dogmáticas sobre os Sacramentos, o Baptismo, à Confirmação e à Ordem. “ (…) o Concílio de Trento foi em grande parte [a] tarefa [de] levar a cabo as suas decisões em diversa regiões do mundo" (Mullett 1984: 17). Uma das grandes preocupações desta assembleia era colocar "o sacerdote num plano num plano elevado e fazia uma cuidadosa diferenciação entre sacerdote e leigo" (Mullett 1984: 26). Ou seja, levaram todos estes anos a decidirem se o baptismo e o matrimónio eram para todos. Isto fez com que seres humanos, os “conquistados” fossem infelizes.


Bárbaros, pagãos e selvagens foram categorias que veicularam o etnocentrismo que não deixara de legar ao futuro o interesse pelos "outros", sobretudo interesses económicos. Ou se, de bárbaro a pagão, o selvagem começa a ser visto de maneira diferente, embora sempre em «degraus» abaixo. Surgida a ideia de primitivo, as interrogações mantiveram-se, todas elas de carácter teórico. Qual é a natureza humana? O que faz a diferença humana?



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"No campo do Direito, não é possível falar, nas restantes partes do mundo para além do Ocidente, de uma ciência jurídica de carácter racional (…) é só no Ocidente que se encontra um produto do género do Direito Canónico" (Weber 1995: 664). Novos saberes vão marcando presença, coexistindo uma grande confluência de estudos, nomeadamente os estudos jurídicos (análise de registos do que é normativo das sociedades) foram alvo de interesse dos Jesuítas, com foram alvo do seu interesse, o estudo dos costumes, sem esquecer os estudos linguísticos tão necessários à evangelização.

Os Jesuítas, os obreiros da Contra-Reforma, eram uma Companhia com força militante. Categóricos na obediência ao papa[4] e tidos como uma força internacional da Igreja. O treino minucioso dos Jesuítas foi levado à prática. Como confessores de reis e príncipes, os Jesuítas exerceram uma influência invisível mas poderosa, e por vezes temida, sobre a política e a diplomacia. Foram missionários entusiásticos demonstrando vontade e capacidade. Cedo ocuparam o seu lugar no mundo académico. Compreenderam que as universidades constituíam um dos pontos-chave na batalha estratégica da ortodoxia. Desempenharam o papel de assegurar uma provisão de missionários fervorosos e bem preparados, que iriam obter conversões, bem como, instruir aqueles que já tinham a sua fé, no país para onde fossem viver.


Sendo os Jesuítas uma empresa que sabia muito de cultura, os não aculturados eram um perigo para a Igreja católica. Afinal qual a razão e o motivo de se darem ao trabalho de converterem os nativos? A razão parece-nos óbvia, os estados católicos, nomeadamente Portugal e Espanha estavam a organizar os seus impérios e a tirarem grandes dividendos, ou como Mullett lhe chama: "a teoria da «compensação». Esta teoria tem [muita] credibilidade, tanto mais que os comentadores católicos do século XVII disseram efectivamente que a fé católica estava a compensar as perdas de almas na Europa com os ganhos de ultramar" (Mullett 1982: 58).

As novas descobertas exprimem o desejo que percorre toda a Idade Média, a procura do Paraíso terrestre. A uma longa distância por terra e por mar do ocidental mundo católico latino, estas descobertas incitam ao fantástico, ao grotesco – visões exuberantes intensificaram-se. Estava em causa objectivos de índole económica, metais preciosos, especiarias – o «Eldorado». Para atingir os objectivos era preciso avançar, era urgente afastar obstáculos. Há força de tudo isto, surge a polémica: quem são? O que são?


A polémica sobre a origem dos índios ocupa todo o século XVI, se interesses opostos havia eles acabaram por se harmonizar, por um lado os fins económicos e políticos e por outro, os fins espirituais defendidos pelos teólogos. Ou os índios eram homens, e havia que os cristianizar, ou então eram considerados simples animais e como tal assim tratados. Se assim é, desaparece o grande argumento da colonização que era a propagação da fé. É no mínimo curioso o tempo que levaram para chegarem ao consenso de que os índios afinal deveriam ser considerados homens, entretanto, já tinham desaparecidos populações inteiras, matar era a forma mais simples de negar.



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"A cristalização do conceito de economia foi uma questão de tempo e de história"
Jacques le Goff

De um modo geral, a tendência anti-religiosa do Renascimento, tinha uma crescente fé nas possibilidades humanas. E embora o pleno desenvolvimento de uma teologia sistemática seja característico do cristianismo de influência helenística, um encadeamento de particulares circunstâncias levou a dizer que: "Só o Ocidente conhece uma construção como direito canónico. (…) e paralelamente uma nova forma de capitalismo que até então nunca se tinha manifestado: a organização racional capitalista (…) Noutros lugares só encontramos elementos percursores deste fenómeno" (Weber 1996: 12-16).

Se a doutrina é escatológica, o objectivo é salvar a alma. Dividir o mundo é o mais comum na Europa ou em África. Portugal ainda hoje está dividido em freguesias, mas já não em paróquias. Até 1974, Portugal fazia em África, o que se fazia no século XVI, expandir a doutrina. Ou seja, o rito está a mudar. A economia está dentro de nós, já não há lugar para a escatologia (o que está além da terra). Hoje em dia a teoria religiosa é a economia. Caiu a parte ritual, caíram os sentimentos, o que ficou foi a economia. Consequentemente a doutrina se expandiu para expandir a racionalidade do conquistador, racionalidade esta que não é outra coisa que a procura do lucro, investir e ficar com os bens dos outros. Assim, a doutrina é parte da cultura, a religião é a nossa cultura, mas esta mesma religião é economia.


Interessa reflectir sobre os processos de aculturação que se viveram, resultantes das imposições ocidentais, tendo como reverso, das violências praticadas, compensações nunca antes vistas. Terminava agora este trabalho com esta citação: "Apesar de se poder dizer que (…) a expansão respeitou as formas parentais de organização de trabalho existentes antes, de facto, a subordinação ao arquétipo do grupo doméstico (…) constitui o elemento dominador através do qual a criação de plus valia foi executada nos povos conquistados como na Europa. A ideia vem, parece simples dizê-lo, da herança deste conjunto de autoridades, Deus, padre superior, com as quais o trabalho no Ocidente foi organizado" (Iturra: 1991: 25).


Bibliografia

AAVV, 1996 [1980], História Geral da Europa II: A Europa desde o início do século XVI ao final do século XVIII, Europa-América, Mem Martins.
CRUZ, M. Braga da, 1995, Teorias Sociológicas - Os Fundadores e os Clássicos, I Vol., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, pp. 581-737.
DUBY, George, 1994 [1962], Guilherme, o Marechal, Lisboa, Gradiva.
DELEMEAU, Jean, 1977, Le christianisme va-t-il- mourir?, Hachette, Paris.
-----------------,1983, Le péché et la peur: la culpabilisation en Occident (XIII-XVIII siècle), Fayard, Paris.
ERASMO, De Roterdão, 1982 [1511], Elogio da Loucura, Guimarães & C.ª Editores, Lisboa.
GREEN, V. H. H., 1991 [1964], Renascimento e Reforma, Publicações Dom Quixote, Lisboa.
ITURRA, R., 1989, “O Pecado como garantia da reprodução social”, in Portugal e a Europa: identidade e diversidade, Asa, Porto, pp. 53-63.
-----------, 1991, A religião como teoria da reprodução social, Escher, Lisboa.
MULLETT, Michael, 1984, A Contra-Reforma, Gradiva, Lisboa.
LE GOFF, Jacques, 1982, Mercadores e Banqueiros da Idade Média, Gradiva, Lisboa.
------------, 1987 [1986], A bolsa e a vida. Economia e religião na Idade Média, Teorema, Lisboa.
WEBER, Max, 1986 [1904-5], A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Presença, Lisboa.




[1] "A prática do pecado é então apresentada, e naturalmente vista pelo homem, como uma ameaça à liberdade e á protecção divina. Desta forma, o pecado surge como garantia da reprodução da ordem social" (Iturra 1989: 58).
[2] A crescente acessibilidade da Bíblia tem origem na invenção da imprensa.
[3] Em Trento foram efectuadas "(…) três reuniões em 1545-49, 1551-52 e 1562-63 [a chamada "revolução tridentista"], a Igreja se debateu com os problemas que a tinham dividido e ameaçado aniquilá-la, as suas relações com o Protestantismo e a necessidade de por a sua própria casa em ordem e de definir com maior precisão a sua fé" ( Grenn 1991: 209).
[4] Foi o papa Paulo III que concedeu a aprovação à fundação da Companhia de Jesus, cujo fundador foi Inácio de Loiola de origem basca. Não eram monges, nem padres seculares; estavam dispensados de cantar no coro as horas litúrgicas e de usarem um hábito monacal distinto.